Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Google+ Compartilhar no Tumblr Crédito: http://desireebaptista.com Nos tempos do ensino fundamental, em algum lugar meio embolorado dos anos 90, houve um dia em que minha professora de português foi perguntando aluno por aluno, quais filmes nós andávamos assistindo. Entre um Jamaica Abaixo de Zero aqui e um Top Gan ali, eu não pensei duas vezes e soltei na lata um que havia me impressionado bastante: O Canibal de Milwaukee. O climão que se estabeleceu após eu explicar sobre o que era o filme (um serial killer que matava, praticava necrofilia, desmembrava, guardava algumas partes em tambores e depois comia) até passou depois de algumas aulas, mas o nome de Jeff Dahmer, um dos assassinos mais famosos dos EUA, permaneceu na minha memória por muito tempo. Em 2002 fizeram um novo filme (Dahmer – Mente Assassina), estrelado pelo arqueiro (Jeremy Renner) dos Vingadores, que até conta alguns momentos bem importantes da vida Dahmer, mas que como cinema não passa de uma grande bosta e eu recomendo que você fique longe ou que pelo menos tome meio litro de café caso tente encarar aquela chatice. Dez anos depois, em 2012 o quadrinista norte-americano Derf Backderf lançou a versão revista e ampliada de uma HQ com apenas 8 páginas que ele havia publicado de forma meio amadora em 1997, sobre a sua convivência com Jeff, afinal os dois fizeram o ensino médio juntos. A graphic novel Meu Amigo Dahmer não é sobre os assassinatos, ela remonta o passado do serial killer, mostrando como eram os seus dias antes de fazer a sua primeira vítima. A publicação recebeu prêmios internacionais e foi adaptada este ano para o cinema pelo cineasta Marc Meyers, um ilustre desconhecido [trailer]. Meu Amigo Dahmer chega ao Brasil pela DakSide Books e seu novo selo de quadrinhos. A edição impressiona, pois conta com capa dura, fontes, textos do autor, fotos, cenas deletadas, rascunhos e aquelas 8 páginas originais que eu falei ali em cima. Ao explorar o passado de um cara que matou 17 pessoas, Backderf nos apresenta aquilo que a gente aprendeu assistindo Mindhunter na Netflix: a infância desses sujeitos é toda cagada e a adolescência segue piorando tudo, repleta de solidão, problemas sexuais, abuso de álcool e desestrutura familiar. Fora isso há aqueles sinais que passaram a se tornar evidências de um comportamento perigoso, como a questão de recolher e guardar corpos de animais mortos na floresta. Uma boa sacada de Backderf é não cair na armadilha de fazer muitos julgamentos ou de tentar justificar qualquer coisa, ele apenas mostra a sua versão baseado nas próprias memórias e nas pesquisas e entrevistas que realizou. Ele via Dahmer no colégio (o “amigo” do título é um exagero), então vai contando as bizarrices que o colega aprontava e os dramas pelas quais ele passou. A graphic novel se repete um pouco a respeito do consumo de álcool e também quando fala das imitações que Dahmer fazia, sempre simulando uma pessoa com retardo mental para fazer os colegas de escola rirem. Essas cenas se repetem várias e várias vezes ao longo da HQ. Em algumas situações há excesso de narração, já que em muito momentos o desenho é o suficiente para contar o que está acontecendo, sem precisar de obviedades por escrito. O autor também suprimiu algumas pessoas importantes, com objetivo de dar mais dinâmica à narrativa. Além do irmão, o pai de Dahmer, uma figura fundamental, pouco aparece, pois o foco fica em sua mãe, uma mulher, digamos, bem atípica. Coso você seja do tipo mais doentio, sugiro pesquisar/ver Confissões de um Serial Killer no Youtube. É uma longa entrevista com Jeff Dahmer, pouco antes de ser assassinado por outro preso dentro da cadeia em 1994. Ali ele revela alguns detalhes perturbadores, inclusive um bem sinistro a respeito de uma cabeça dentro de uma caixa. Fora isso ele fala sobre várias coisas que vemos na HQ de Backderf como a solidão na infância e adolescência e o desejo de ter o controle sobre o corpo de alguém. Essa era pira dele, ter um ser humano a seu dispor, obtendo controle absoluto para fazer o que bem entender. O traço em preto-e-branco cheio de curvas e ângulos esquisitos, às vezes quase caricaturais, faz um jogo de luz e sombra bem interessante, principalmente nos momentos em que sentimentos mais medonhos são despertados, mas num geral a HQ não é aquela coisa dark e meio suja que talvez se espere dessa tipo de história. Nesse sentido o trabalho como desenhista se sobrepõe e muito ao roteiro, pois há diversos momentos em que a arte realmente impressiona não só no sentido de dar a dimensão da angústia e do desequilíbrio do personagem, mas também no sentido colocar o leitor lá naquele ambiente, naquela época terrível. Enfim, Meu Amigo Dahmer é daquelas HQs que deveriam figurar na estante de qualquer pessoa interessada neste universo macabro dos assassinos em série. Meu Amigo Dahmer Autor: Def Backderf Páginas: 288 Editora: DarkSide Books (2017) COMPRE AQUI!