Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Google+ Compartilhar no Tumblr Minha mãe morreu quando eu era bem pequena, não lembro muito dela. Sei pelas fotos espalhadas pela casa que ela era uma mulher muito bonita e sorridente. Saudável. Por causa da morte de minha mãe acabei sendo criada só pelo meu pai. Não tenho tios ou tias então fomos só nós dois desde sempre. Mas eu gosto disso. Só que acima de todos esse trejeitos, ele tem o costume de sempre que chega em casa fumar um cigarro enquanto joga uma bola de tênis no chão repetidas vezes. Faz isso desde quando me entendo por gente e nunca entendi ou questionei o ato. É uma coisa dele então não vi por que atrapalhar. Ele sempre chegou mais cedo do trabalho que eu. O intervalo de tempo ficava ainda maior quando eu entrava em período letivo. Toda a vez que eu virava a chave e entrava em casa, ouvia a bola sendo arremessada no chão e voltando para o ar. Sempre caindo no mesmo ponto, sempre com a mesma força, sempre no mesmo lugar. Ritmado. Como se fosse um ritual. De vez em quando precisava fazer horas extra no emprego. Eu e meu pai vivemos bem, mas não tanto quanto gostaríamos. Aproveito o período de férias para tentar engordar um pouco o orçamento de casa e isso resulta em poucas horas de sono e menos horas ainda para conversar com meu pai. Mas sei que ele entende isso. Fez o mesmo quando eu era menor, nada mais justo do que eu tomar o lugar no trabalho escravo agora. Voltei para casa tarde da noite depois de mais um dia de expediente puxado. Um banho. Era tudo que eu pensava. Um banho, um prato de comida quente, um afago do meu pai e umas boas horas de sono merecido. Uma das melhores coisas é ir dormir sabendo que não tem horário para acordar no dia seguinte. Fechei a porta do quarto e pude ouvir a boa e velha bola de tênis quicando no chão. O mesmo barulho que ouvi a vida inteira. Mesma força, mesma intensidade de arremesso e mesmo ritmo. Respirei fundo procurando relaxar. Estava tarde e queria dormir. Fechei os olhos deixando que o barulho da bola me guiasse até o sono. Só que ele se moveu. Estranho. Ele nunca tinha saído do lugar, sempre na mesma posição, sempre com a mesma intensidade. O ruído foi ficando mais próximo e o ritmo começou a diminuir, estava andando por entre os cômodos, chegando cada vez mais perto do meu quarto. Vai ver veio me dar boa noite. Não me importei e continuei deitada na cama ouvindo o barulho do quicar se aproximando com intervalos maiores de tempo entre um arremesso e outro. Apaguei as luzes e me enfiei debaixo das cobertas. Levei o celular comigo pra acessar a internet por uns breves minutos. A bola de tênis continuava a encontrar o chão e o barulho estava cada vez mais perto. Estava do lado de fora do meu quarto. Do outro lado da porta. O celular vibrou com um sms recebido. “Tive um imprevisto no trabalho e vou demorar muito para voltar. Não me espere para dormir Eu te amo. Beijos e até amanhã, Pai.” Acabaram de girar a maçaneta da porta.