Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Google+ Compartilhar no Tumblr As Histórias em Quadrinhos vem ganhando cada vez mais destaque, leitores e espaço nos fóruns e grupos de discussão. Não apenas pelo sucesso descomunal das adaptações para o cinema e TV, que movem bilhões de dólares, mas também pelo teor que muitas das séries ganhou nos últimos anos, dando maior visibilidade à questões que estavam longe dos quadrinhos mainstream, como preconceito racial, protagonismo feminino, diversidade étnica e personagens LGBT. Um tema, aliás, que divide opiniões entre os fãs, chegando a incomodar os mais conservadores. Um outro tema que também gera polêmica é em relação aos quadrinhos digitais: é só jogar a bomba em algum grupo que o estrago está feito. Opiniões a favor e contra surgem aos montes. Mas será que o futuro das HQs é mesmo digital? Sempre que uma mídia está para substituir outra, há confusão. De um lado, o entusiamo com as novas tecnologias e possibilidades. Do outro, o saudosismo e colecionismo. Mas a substituição é, quase sempre, inevitável, cabendo ao mercado e consumidor se adaptarem à nova realidade. Foi assim com a música: dos discos de vinil para as fitas K7 e CDs, sendo deixados pra trás pelo MP3. Hoje em dia é a música digital que domina e uma das maneiras do mercado driblar a pirataria (quem nunca baixou uma?) foi os serviços de stream: pagando uma taxa mensal, você possui acesso ilimitado a milhões de músicas. Deezer, Spotify e Google Music são algumas das empresas que oferecem um vasto conteúdo pelo custo médio de R$15 mensais, além de planos gratuitos. Com os filmes e séries não foi diferente: até um tempo atrás íamos em locadoras, que são cada vez mais raras! Hoje a Netflix é uma gigante que oferece uma boa biblioteca, produções próprias e um marketing carismático por R$22,90 mensais, deixando pra trás serviços de TV a cabo e diminuindo (um pouco) a pirataria. E nos videogames? O uso do CD ao invés dos cartuchos foi uma revolução nos anos 1990! Resumindo: as coisas evoluem. Num mundo onde estamos cada vez mais conectados uns aos outros e “online”, com quase tudo podendo ser feito digitalmente e na palma da mão, desde pagar uma conta à mandar uma mensagem, um áudio, fazer anotações, tirar uma foto, gravar um video, emular um console, ouvir música ou ver um filme, um mercado ainda vem lutando bravamente num suporte tradicional: a mídia impressa. Sim, as revistas e jornais não fazem o sucesso de antes, mas os livros e quadrinhos permanecem firmes e fortes. Por que, se a produção e distribuição de um livro é tão cara? Esse é um dos mistérios que ninguém sabe a resposta, ainda. Mas focando nos quadrinhos e deixando os livros um pouco de lado, podemos levantar e discutir algumas teorias em relação ao conflito entre as HQs digitais e as físicas no Brasil. Um ponto é fato: quem gosta de colecionar, vai continuar comprando quadrinhos. E esse é um dos maiores nichos das editoras: os fãs que possuem certo poder aquisitivo compram edições de colecionador e edições feitas para livrarias e lojas especializadas, que são cada vez maiores. O colecionismo, o fator “ter na estante”, ainda é muito grande dentre os leitores e ajuda a manter o mercado ativo. Outro ponto interessante é que há poucos títulos digitais à venda e as editoras estão começando a vender versões digitais só agora, mas muitas praticamente não possuem, como é o caso da Panini, que publica material da Marvel e DC. Ou seja, o leitor brasileiro não possui muitas opções para comprar um HQ digital. Ao contrário dos EUA, onde a Amazon possui o ComiXology, um dos maiores distribuidores de mídia digital, que também oferece um plano “Unlimited”, onde é possível ler diversos títulos pagando uma taxa mensal. A própria Marvel possui um serviço semelhante: pagando uma taxa mensal ou anual, você tem acesso à uma grande parte de seu acervo digital. Lançamentos geralmente estão fora desses serviços, aparecendo somente entre 6 meses e 1 ano depois. A Amazon brasileira possui um programa semelhante, o Kindle Unlimited, onde uma parte de seu acervo fica disponível pra ler a vontade ao custo de R$20 mensais, mas quase não há quadrinhos. Então é complicado falar de mercado de quadrinhos digitais no Brasil sendo que praticamente não temos essa opção de compra. Mas enquanto as edições em capa dura, volumes encadernados e coleções quinzenais fazem sucesso e ganham elogios, não podemos dizer o mesmo das edições mensais, as polêmicas “revistas mix”. Conhecidas de longa data dos fãs antigos, elas podem confundir o leitor novato. Mas a estrutura é simples: nos EUA as edições são lançadas individualmente com média de 20~30 páginas, algo que não funciona no Brasil. Uma das alternativas que as editoras encontraram é juntar essas edições originais numa só edição nacional. Assim, como exemplo, a recente revista Novíssimos Vingadores traz três edições originais (Thor, Homem de Ferro Superior e Novíssimo Capitão América). Um ponto positivo é dar possibilidade de sair séries que não possuem apelo de saírem individualmente. Um ponto negativo é querer ler apenas uma série e ter que pagar pelas demais. Mas revistas mix são interessantes, principalmente quando unem séries semelhantes e o leitor fica a par de um micro-universo com apenas uma. E é a opção mais viável no nosso mercado. Mas está longe de ser perfeita. E um dos grandes problemas, pra mim, é o intervalo entre a edição original e a nossa. Hoje podemos ver um episódio de alguma série no mesmo dia ou no dia seguinte de sua exibição original (seja pela TV a cabo ou baixando), podemos ouvir um álbum na mesma hora em que é lançado (do mesmo jeito, seja por meios legais ou não) ou até mesmo o lançamento mundial simultâneo de grandes livros e games. Numa era tão rápida, esperar um ano pra ler alguma saga é surreal! Quando o material chega no Brasil, o burburinho já passou faz tempo. Só como exemplo, a fase All-New All-Different da Marvel começou em outubro de 2015 e começou a sair aqui em Dezembro de 2016. As editoras, nesse caso a Panini, possuem dificuldade em organizar as revistas mix, em tentar dar conta de todo o material (que é imenso) e com a periodicidade das originais, onde algumas séries chegam a ser quinzenais e aqui saem mensais. É uma dificuldade, com certeza. Mas não deixa de ser um empecilho, ainda mais no tempo que vivemos. Mas apesar da compra de HQs digitais ainda não ser uma realidade concreta no Brasil, por aqui temos uma grande quantidade de leitores dessa mídia, graças ao grupos de scan: pessoas que traduzem ou escaneia material em português e lançam online. Uma forma de pirataria que movimenta muitos fãs e que já foi uma pedra no sapato das editoras, com direito a grandes sites e foruns sendo desligados e até mesmo ameaçados judicialmente. Mas não adianta, eles continuam entre nós. E não é difícil perceber o porque: muitas séries são traduzidas e lançadas quase que no mesmo dia em que saem lá fora; enquanto muito material antigo e inédito (que talvez nunca sejam publicados por aqui) também são traduzidos e disponibilizados. Um trabalho feito também por fãs e que, não raras as vezes, se sobressaem às versões brasileiras: além da tradução, muitas equipes se preocupam também com a diagramação (adaptando títulos, logos, onomatopeias e afins) e restaurando páginas velhas, retocando cores ou refazendo balões de fala. A praticidade em poder baixar e a velocidade em que saem são verdadeiros atrativos a muitos leitores. Pirataria ou não, quem quer ler vai ler e quem pode comprar vai continuar comprando. Ou mantendo os dois hábitos. Eu mesmo não fujo à regra e já fiz várias reviews de material inédito por aqui, que talvez nunca seja lançado, mas que foi traduzido por algum grupo (como Arquivo X e xxxHOLiC Rei). E não sou imparcial ao assunto: gosto dos encadernados e muitos títulos (em especial da Vertigo) se encontraram nesse formato; mas sobre as séries mensais, está atrasado. O formato mix não abre possibilidade de diminuir o intervalo gigante que temos em relação às originais. A falta de alternativas digitais e diálogo das grandes editoras abre espaço para a concorrência, quase sempre os grupos de scan. Lutar contra eles é uma luta perdida, só observarmos o que aconteceu com quem insistiu em CDs e cartuchos no passado. Se adaptar é a questão chave, se manter atual com a nova geração ao mesmo tempo em que mantém uma linha para os mais tradicionais. Pegando os EUA como exemplo (que também possui seus grupos de “scan”), a venda de HQs digitais já é uma realidade, muito utilizada, porém não afeta o mercado impresso. De acordo com o site Comichron, que mantém um banco de dados sobre as vendas norte-americanas, o faturamento dos quadrinhos digitais foram de 25 milhões de dólares em 2011 para 90 milhões em 2015. As versões impressas acompanharam o crescimento e, juntas, somaram 1 bilhão de dólares em 2015, cerca de 10% a mais que o ano anterior, que arrecadara 935 milhões. Mais uma vez, o assunto “vendas” no Brasil também é complicado. Além de não termos um sistema grande de vendas digitais, são poucas as editoras que informam sua tiragem ou valor arrecadado. Os gibis da Turma da Mônica estão entre esses poucos e, coincidentemente, estão no topo das vendas e tiragens nacionais. Mas o que a Social Comics tem haver com tudo isso? Tudo! Criada em 2015, ela funciona como a “Netflix dos Quadrinhos“, oferecendo diversos títulos para leitura online/ offline pela taxa de R$20 mensais, podendo ser acessada pelo navegador ou por seu aplicativo no celular ou tablet. Ela não funciona como a ComiXology, já que não vende nenhuma HQ. Tudo que está em seu catálogo, que possui mais de 3000 títulos, está disponível a todos os assinantes. De todas as evoluções digitais, essas de “streaming” vem sendo as mais eficazes, vemos isso com filmes e com música. Até mesmo com jogos há programas semelhantes. E acredito não ser diferente com os quadrinhos. A Social Comics vem cobrindo um grande buraco em nosso mercado e oferecendo saídas para quase todos os pontos que citei nesse (longo) artigo. Não é perfeita, há muito o que melhorar, mas é um começo. Utilizei os 14 dias grátis do serviço e gostei bastante da experiência. Para quem possui um tablet e já está acostumado a ler nele, irá adorar pela facilidade. A Social Comics é uma empresa do grupo Omelete e vem conseguindo parceria com diversas editoras, dentre elas a Abril, Dark Horse, Draco, Europa, NewPop, Nemo, Balão, JBC, Devir, Mythos e tantas outras independentes. No acervo há títulos como a Coleção Moebius, Trilogia Nikopol, Hellraiser, Hellboy, Kirby Genesis, Umbrella Academy, O Rei Amarelo e Juiz Dredd, só pra ficar entre os mais famosos. Um dos destaques é a parceria com a Valiant Comics, que é o terceiro maior universo dos quadrinhos (perdendo apenas pra Marvel e DC), publicando séries como Harbinger e X-O Manowar, sendo a casa oficial da editora no Brasil. E um dos pontos que mais gostei é a tentativa do serviço em diminuir o gigante intervalo que temos em relação aos originais. Com as séries da Valiant ela vem fazendo aos poucos, mas com outras publicações há o lançamento quase simultâneo: as séries mensais Disney (como Mickey, Tio Patinhas e Zé Carioca) e a Revista dos Super-Heróis estão alinhadas com as edições em banca. Sim, não há Marvel ou DC e nem parceria com a Panini, que é a principal editora de quadrinhos do país. Mas em menos de 2 anos a Social Comics já reuniu muita coisa e vem crescendo. De acordo com uma entrevista na Comic Con São Paulo de 2016, a base de assinantes é de 50 mil pessoas e seu acervo recebe cerca de 50 edições por semana, além de estarem produzindo uma HQ própria (Aether Ring). Apesar de muito material infantil, há diversas obras de renome e outras que são caras. Só a Coleção Moebius possui 8 volumes e cada um custa cerca de R$50. Fiz uma review de Arzach, o Vol. 1, comentando a experiência de ler no site. Trazer gibis da Disney é outro trunfo, compensando assinar do que comprar todos mensalmente. E também abre uma porta para quem não acompanha, como eu, que acabei escolhendo o Zé Carioca para começar. Há muitas HQs autorais e independentes, como Carnaval de Meus Demônios. Também há outras HQs europeias, adaptações literárias, Turma da Mônica, tirinhas de Snoopy e Boule & Bill, clássicos como Fantasma, Mandrake e até mesmo Recruta Zero e Hangar. Claro, tem seus pontos que precisam melhorar. A interface do site ainda não é 100%, precisa de uma organização melhor. Também acho que deveriam explorar uma maneira de socializar os assinantes, já que ela também se vende como uma rede social. O acervo é pequeno, mas enxuto. E tudo indica que irá melhorar cada vez mais. Não é a solução definitiva para todos os problemas que citei por aqui, principalmente em relação à Marvel/ DC que, querendo ou não, é um dos focos da maioria dos leitores. Mas é um avanço que não oferece perigo à mídia impressa, mas sim uma ótima alternativa ao leitor que não tem condições de gastar todo mês com quadrinho ou que quer aproveitar a facilidade dos conteúdos digitais, unindo o útil ao agradável. E como prova disso é que também proporciona uma ótima alternativa aos scans: um dos maiores grupos deixou de traduzir e lançar séries da Valiant por conta da SC, que já estavam alcançando suas versões. Percebendo que é um serviço com uma boa proposta, decidiram incentivar, mostrando como o mercado de impressos, digitais e até mesmo o de scans podem ser tão orgânicos quanto podemos imaginar. Mas e a pergunta? O futuro dos quadrinhos é digital? Pra mim já é uma realidade: prefiro ler no tablet que impresso. A praticidade em poder ler em qualquer lugar, deitado ou com a luz apagada me deixam com preguiça de sentar e folhear. Não apenas com quadrinhos, mas livros em geral. Tenho vários títulos parados no armário, enquanto leio edições e edições digitais. E não apenas pela comodidade, a qualidade também é outra: muitas impressões desbotam as cores originais. Mas não foi fácil migrar, já fui colecionador-consumista. E romper com isso foi quase uma crise existencial. Não foram raras as vezes em que critiquei scans em alguma review de anos atrás. E hoje penso totalmente diferente. Fiquei aberto às novas tecnologias e até aos audiobooks! Mas é um processo individual, mesmo com os livros e quadrinhos resistindo magicamente à “digitalização” de todo o mundo. Como pensamento final, hoje creio que conhecimento está aí pra ser adquirido e nunca é demais. Quem quer sempre irá atrás: se tem condições compra, se não vai pedir emprestado ou baixar. Scans continuarão existindo, já que a vontade de traduzir e disponibilizar material pra outros fãs é maior que qualquer burocracia editorial ou lucro. Encadernados continuarão vendendo, já que colecionismo nunca sai de moda (até mesmo os discos de vinil continuam sendo fabricados), e no meio de tudo isso resta o bom senso de todos, como ver alguma alternativa a tudo isso. Aposto que quem paga R$15 por mês num Spotify da vida deixou de baixar 90% de suas músicas, já que boa parte delas estão lá, evitando a pirataria e pagando um valor razoável. Seria esse, também, o caminho dos quadrinhos no futuro?