Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Google+ Compartilhar no Tumblr [quote_box_center]Originalmente publicado no https://sabotagem.net[/quote_box_center] Como diriam muitos operadores de serviços de inteligência, “saudades da Guerra Fria”. O motivo é óbvio: as superpotências Estados Unidos e União Soviética mandavam e desmandavam no mundo e utilizavam conflitos ao redor do globo como peças de seu complexo e estratosfericamente dispendioso jogo de poder. Não havia terceira via ou independência: tudo o mais era satélite desses dois gigantes. Nada de Al-Qaeda, Estado Islâmico ou Guerra na Síria. The Americans é uma lupa apurada sobre uma das frentes mais importantes desse conflito: a espionagem. O foco é em Elizabeth (Keri Russell) e Philipe Jennings (Matthew Rhys), um casal de espiões russos que vive em Washington há décadas coletando toda a sorte de informações e envolvendo-se em operações sujas. Os dois pertencem ao mítico grupo de Ilegais, por muito tempo considerados meras lendas por agências secretas americanas. A premissa é apenas um ponto de partida intrigante para que uma teia de acontecimentos e conflitos espinhosos seja desenvolvida. Como manter a própria sanidade fingindo por décadas ser quem você não é? Como ter duas ou três famílias sem esquecer-se da principal? Mentir todo esse tempo para os filhos? Fingir ser de outra agência super secreta? Todos os conflitos pesados do mundo pantanoso da espionagem estão aqui com excelência. A culpa é de Joseph Weisberg, roteirista e também ele próprio ex-agente da CIA. Apesar de já ter dito que essa é “uma série sobre casamentos”, os momentos-chave do programa não economizam tensão, planos inteligentes e sujeira pra todo o lado. Um microcosmo da queda-de-braço real entre dois titãs da geopolítica. O trunfo da série (assisti as primeiras três temporadas, já saíram quatro) é justamente colocar na mesa todos os dilemas pesados de pessoas que precisam matar ou trair por um bem maior. Essa inteligência exige bastante dos roteiristas (e de nós), mas eleva o nível de qualidade dos capítulos. Junto com o casal principal, temos um rol de personagens intrigantes e cheios de momentos dramáticos. Stan, um dos mais talentosos agentes de contra-inteligência do FBI na região, é vizinho deles e se vê mergulhado em uma série de dilemas morais complicados como uma martelada. Martha é a secretária do chefe do FBI em Washington e vive entre o amor e a mentira. Funcionários de empresas com contratos secretos são assediados, agentes secretos com amantes são chantageados. Até a filha menor de idade de um importante agente da CIA vira alvo. Elizabeth e Philip são especialistas em caçar pontos fracos de seus possíveis alvos e oferecer uma vida mais fácil ou simplesmente a continuidade de sua liberdade. Apesar de The Americans não tentar ser um programa propositalmente difícil, ele exige atenção. Existe uma curva de aprendizado que aos poucos se alonga e a quantidade de subtramas começa a crescer rumo a um choque gradual. Pessoas legais podem se mostrar agentes duplos, seus próprios familiares podem detonar seu objetivo ou missões aparentemente insignificantes em um episódio podem se revelar fundamentais para entender os desdobramentos da série. Enquanto na primeira temporada somos testados e recebemos informações em doses pequenas (a grande subtrama é que Philip e Elizabeth começam a se apaixonar verdadeiramente após anos de casamento), verdadeiros abalos sísmicos surgem na segunda e terceira temporadas. O nível de tensão parece aumentar e o perigo passa a ser uma rotina e um companheiro inseparável. Em quem confiar?, passa a ser uma das perguntas mais complicadas de todas. É também possível observar que Weisberg sabe perfeitamente do que está falando (embora alguns nerds de espionagem possam falar que era a GRU que fazia espionagem militar para os soviéticos, e não a KGB). A vida de um Ilegal, seu relacionamento difícil com pessoas todo-poderosas do outro lado do mundo e os conflitos de tentações da rotina dos oficiais da lei são parte fundamental da montagem do programa. E está tudo aqui, desnudado e esmiuçado. Ajuda também o fato do programa ser ambientado nos complicados anos 80, quando Reagan e Brejnev reaqueceram a Guerra Fria com tecnologias de ponta, guerras (Afeganistão, Irã-Contras) e sucessivos blefes. Aos poucos, vemos também o início da dissolução da União Soviética (o que nos dá um vislumbre empolgante do provável final da série, quando os espiões soviéticos decidiam se debandavam ou passavam pro lado dos russos — aliás, já escrevi um texto gigante sobre espionagem russa aqui no Sabotagem). Embora seja uma série de época, o episódio que deu início a ela foi bem recente: a prisão de 11 ilegais russos vivendo nos Estados Unidos como americanos em 2010. Na época, a bela Anna Chapman até virou celebridade após ser presa e voltar a Rússia após uma troca de prisioneiros. De fato, é um pouco esquisito a série ter protagonistas soviéticos fingindo ser americanos em uma série americana, mas esse tipo de estranheza é o ideal para evitar maniqueísmos fáceis e encorpar todos os personagens possíveis. Não demoramos a entender que Elizabeth faz o tipo mais decidida e patriótica, enquanto Philip tende a ser mais analítico e prático, e com mais tendências a perdoar e se afeiçoar ao modo de vida americano, enquanto Stan tem problemas profundos em abandonar sua veia workaholic. Existe uma dose de brilhantismo na forma como a família Jennings aos poucos vai para o centro da trama. Paige decide frequentar uma igreja evangélica em uma das temporadas e dá sinais de que será ativista dos direitos civis. Henry, o mais novo, parece inclinado a gostar de games, além de possuir certa dose de introspecção. Ao contrário de outros programas em que seus protagonistas possuem missões grandiosas e sua vida familiar parece um grande estorvo, a dupla de espiões parece embebida da dicotomia de deixar os filhos serem americanos ou contar a eles quem são. Tal eficácia e equilíbrio entre tramas e a profundidade de seus próprios personagens não deve ser descartada tão facilmente, já que podemos lembrar com facilidade como séries recentes se perderam ao tentar evoluir os dois princípios e entregaram um produto manco — caso de Lost, por exemplo. Um fator preponderante que foi muito bem captado por roteiristas e produtores é o clima pesado de paranoia em tudo. Todos podem estar enganando. Um vira-casaca pode estar ao seu lado, podem existir câmeras dentro do seu banheiro. Nada escapa aos olhos da Espionagem é uma das máximas do programa. Outra máxima é que nem toda a Informação disponível pode impedir decisões erradas — algo que o próprio Stálin experimentou quando não se preparou para uma invasão nazista, mesmo que tivesse todos os planos secretos da Operação Barbarossa em mãos. Paranoia, jogos políticos, história, personagens grandiosos, tramas inteligentes e tensão no ar. O coquetel explosivo e equilibrado o transforma não apenas na melhor e mais realista série de espionagem que já passou pela TV americana (esqueça 24 Horas), mas um show obrigatório para assistir. [quote_box_center]The Americans (2013-) Criador: Joseph Weisberg Emissora: FX (No Brasil a série é transmitida no canal FOX+) Temporadas: 4 Duração: 45 minutos em média Elenco: Keri Russell, Matthew Rhys, Keidrich Sellati, Holly Taylor, Noah Emmerich, Annet Mahendru, Lev Gorn, Richard Thomas, Alison Wright.[/quote_box_center]