[Nota do autor: Escrevi esse ensaio entre o final de 2010 e meados de 2011. Era para ser a matéria principal da revista MOB GROUND, que acabou dando origem a esse portal. O texto não foi publicado, mas acabou se tornando o esqueleto da minha Monografia, por isso só recomendo a leitura caso ainda não a tenha lido. Algumas informações apresentadas aqui estão naturalmente defasadas, já que não realizei novas pesquisas para atualizar completamente o texto. Mas a leitura continua válida, em minha opinião. Aproveito essa nota também para informar que logo continuarei a minha série sobre Magia & Ocultismo, que irá até a Parte 10, e logo após será atualizada somente através de textos anexos]

Quando os ventos da mudança sopram, alguns erguem abrigos, e outros erguem moinhos

Provérbio Chinês

Nós reconhecemos e sabemos que nunca frearemos a pirataria. Nunca! Só tentamos tornar isso o mais difícil e entediante possível. E devemos mostrar às pessoas que há consequências se elas forem pegas

Dan Glickman, presidente da MPAA

A Propriedade Intelectual é o petróleo do século XXI

Mark Getty, dono da Getty Images

Dia 31 de maio de 2006, uma força de cerca de 50 oficiais de polícia entra na sala onde estão localizados os servidores que hospedam o Pirate Bay, o auto-proclamado maior tracker BitTorrent do mundo. Algo entre 250 e 300 servidores foram apreendidos na invasão, sendo que o site alvo da ação ocupava somente cerca de 20 deles. Outras centenas de sites são “involuntariamente” fechados também, e isso se soma ao prejuízo material e moral que a empresa onde todos os computadores foram apreendidos sofreu.

Gottfrid Svartholm Warg – o responsável por toda a parte técnica do Pirate, que na criação da infra-estrutura do site o havia hospedado no servidor do lugar onde trabalhava – é chamado pela empresa de hospedagem para comparecer ao local. Chegando lá, se encontra com Frederik Neij, outro dos fundadores da Baía dos Piratas, que havia se metido num longo jogo de quem são vocês? com os policiais que estavam por ali, que, ironicamente, haviam instalado o tipo de circo que o cinema adora – sirenes, luzes, máscaras e armas automáticas. Após confirmarem aos dois piratas que são oficiais de polícia, os homens que chegaram ao local começam uma chuva de perguntas de cerca de 25 minutos, e questionam detalhes sobre o protocolo bitorrent – que possui praticamente toda a sua decodificação disponível na internet, coisa que parece que os investigadores não descobriram -, sobre o funcionamento do Pirate Bay, e a participação de cada um no site, dando uma possível mostra da falta de uma investigação preliminar a ação, e um vazio de conhecimento sobre o que tá rolando ali.

O Rapport, um dos principais programas noticiosos da TV sueca, dedicou os 30 minutos de sua edição do dia 21 de junho para mostrar uma investigação que apontava a operação da polícia como uma jogada política, fruto do acordo entre os governantes suecos e a Casa Branca, tudo em meio a divulgação de relatórios mostrando que somente Hollywood perdeu US$ 18,2 bilhões com a pirataria em 2005 – 7,1 bilhões somente com transferências de arquivos via internet, segundo esses dados. No dia seguinte, o jornal Svenska Dagbladet corrobora a conclusão investigativa do Rapport, e publica uma reportagem com uma certa carga de pormenores, destacando como o Ministério das Relações Exteriores sueco havia recebido, no outono de 2005, representantes do governo americano para uma conversa.

Tal reunião seria decisiva para planejar os rumos da política sueca com relação ao Pirate Bay e o compartilhamento de arquivos via internet nos meses seguintes. As leis suecas – e europeias, com exceção da França e Inglaterra, que em maior ou menor grau, são os maiores aliados políticos dos americanos na Europa – são diametralmente opostas as adotadas pelos EUA com relação aos direitos autorais, e isso sempre foi encarado como um problema pelos habitantes da Terra do Mickey, que após a esmagadora vitória na Guerra do Golfo, tomaram para si a missão de Polícia do Mundo, levando para outros cantos do planeta os valores corporativos dos gigantescos conglomerados dos Estados Unidos.

Uma carta enviada por John Malcolm, Vice-Presidente e Diretor Mundial de Ações Anti-Pirataria da MPAA (Motion Picture Association of America, associação criada para defender os interesses dos grandes estúdios de Hollywood e fazer lobby em Washington) ao Ministério da Justiça sueco daquela época, sutilmente mostra uma certa pressão da organização que ele representa sobre os políticos suecos.

“Assim como discutimos durante nossos encontros, tenho certeza que não é do interesse da Suécia ganhar a reputação entre outras nações e parceiros comerciais de que é um país onde a falta de respeito às leis de direitos intelectuais é tolerada”, disse Malcolm na carta. Ele ainda completa: “Mais uma vez, eu clamo que o senhor exerça sua influência para garantir o cumprimento das leis por autoridades suecas contra o The Pirate Bay“.

Aparentemente, a linha de comando que originou a ação foi: a MPAA emitiu um pedido de fechamento da Baía dos Piratas ao seu grupo de lobby na Casa Branca, que entrou em contato com representantes das Relações Exteriores na Suécia, que passou a ordem a polícia sueca, que terminou por conduzir a operação.

Uma série de irregularidades foi logo encontrada na ação policial. Uma delas passa pelo fato de que, na Suécia, um ministro do Estado – que é escolhido por políticos – não pode dar ordens diretas para a polícia. Um dos próprios responsáveis pela articulação política da apreensão, Dan Eliasson, secretário do Ministério da Justiça, foi a TV alguns dias depois da apreensão e confirmou que a Suécia esteve sob ameaças de sanções comerciais por parte dos EUA e da Organização Mundial do Comércio.

Eu sei que os EUA têm opiniões sobre a eficácia de nosso sistema quanto a copyright, e que a Suécia e outros países não estão seguindo seus tratados internacionais. Há mecanismos de sanção nos EUA, e isto vem sendo apontado por eles. Eu sei que estão ocorrendo discussões sobre tratados comerciais aplicados a comércio e copyright que não estão sendo seguidos pela Suécia e outros países, e existem mecanismos de sanção para isso também. Mas não faz parte do meu trabalho me reportar a lobistas do copyright americano“, disse Eliassom na TV sueca, após a invasão.

Contrariamente ao que queria a MPAA – os diretores da associação publicaram no site deles, dias depois da invasão, um portentoso “Missão cumprida” em letras garrafais – e de uma forma meio irônica, alguns dos efeitos da invasão foram favoráveis ao Pirate Bay. Diversos servidores ofereceram hospedagem mais segura e estável para o site, e o tema Compartilhamento virou bandeira de uma miríade de discussões importantes pelo mundo, inclusive por parte dos maiores partidos suecos. O ato também deu impulso ao Partido Pirata Sueco – fundado em 1º de janeiro daquele ano, que dobrou seus associados em dois dias, passando para cerca de 90 mil – e todas as organizações ligadas ao Piratebyran, uma das principais organizações de luta por reforma nas leis de copyright e liberdade na internet no mundo.

Obviamente que o tom da discussão colocada em pauta por essas organizações não é um simples dane-se as leis de copyright, distribuam tudo gratuitamente, como pensam alguns, mas sim a busca por uma democratização das leis de direitos autorais, e uma forma de torna-las um pouco menos corporativas e destrutivas para a maioria da população; além de valorizar a privacidade dos indivíduos que se põe a utilizar a internet. A apreensão dos servidores acabou por receber grande atenção da mídia, e mostrou que o Pirate Bay tinha uma certa base política inconsciente e pouco conhecida, revelando uma multidão de jovens e de pessoas de outras camadas da população apoiadoras da causa da troca de arquivos, e se informando cada vez mais sobre copyright.

Tecnicamente, o acontecimento ainda mostrou para os quatro fundadores do maior site de torrents do mundo, a necessidade de se criar alternativas de segurança para a estrutura do site. É o que Neij chama de redundância. É basicamente dividir e duplicar tudo que faz funcionar o Pirate Bay, de forma a dificultar ações como a que deixou o site fora do ar por dias – mais ou menos como o Google, que tem sete servidores dedicados somente para emails. A ideia é tornar o ato de colocar o site no ar novamente depois de alguma ordem judicial muito mais rápido, passando de dias, para horas. No fim das contas, três dias depois, os servidores foram restabelecidos e os backups foram restaurados, e o site voltou a funcionar de forma praticamente normal. Uma semana depois tudo estava nos conformes como se nada tivesse acontecido.

O Pirate Bay começou sua jornada rumo ao título de maior site de torrents do mundo de modo simples, em 2003. Nessa época, tudo não passava de um pequeno banco de dados hospedado num servidor no México. Era um projeto entre amigos, só um pouco mais sofisticado do que os primórdios de outro dos maiores e mais conhecidos sites da internet: o 4chan, que começou hospedado num servidor na garagem de seu dono, Christopher Poole, com 15 anos na época.

O sucesso foi rápido – um ano após ser fundado, o Bay já monitorava um milhão de peers a todo instante e possuía cerca de 60 mil torrents hospedados -, e em poucos meses tiveram que transferir o Pirate Bay para um host sueco, terra dos fundadores do site. A iniciativa da criação do site foi uma resposta explosiva a crescente demanda de um tracker de torrents estável e que comportasse o volume de ligações cada vez maior entre os usuários do protocolo. A criação do site está ligado também a fundação de outra importante organização de defesa ao compartilhamento livre: o Piratebyran.

No dia 21 de novembro de 2003, o Byran cria o Bay, seu filhote mais famoso – que um ano depois se constituiria numa organização completamente separada e autônoma -, que abalaria de forma irreversível a forma como as coisas eram feitas na Web. À partir daí, o site começou a criar espécies de tutoriais e assessoria para quem precisasse. Na verdade, eles não exatamente criaram os tutoriais, mas os transcreveram integralmente de revistas de informática suecas.

Foi o start, o início das atividades que posteriormente incomodariam até mesmo algumas das corporações mais poderosas do mundo. No entanto, após o projeto Pirate Bay estar pronto, com seu famoso tracker – o maior do planeta, vendido e desativado em junho de 2009, numa das histórias mais intricadas e sem respostas que já vi – o Piratebyran voltou as suas atividades centrais, e entregaram a direção do Bay para os fundadores dele. A atitude fez parte da política do Byran, que prevê ramificar todas as atividades e coloca-las nas mãos de pessoas competentes que gostam do que estão fazendo. Com essa multiplicidade de projetos, existe uma maior probabilidade de sucesso, já que não se fica dependente das ações centralizadas de comandantes que não conseguem ter visões globais do projeto.

Como é sempre recorrente, a forte oposição dos estúdios hollywoodianos, através das associações de defesa de direitos autorais, termina por lançar as bases da fama do site, já que as respostas bem humoradas e sarcásticas de seus fundadores aos envios de processos – “Estamos nos mijando nas calças com esse processo… mandaremos a conta da lavanderia” – terminam por angariar uma forte simpatia dos seus usuários, em sua maioria, jovens. A criação dessa identidade de luta contra organizações poderosíssimas é o principal ponto que alavancou a fama mundial da Baía, o colocando num status superior aos seus “concorrentes”, como o Mininova – que em 2009 passou a hospedar somente torrents de conteúdo legalizad, após perder um processo na Holanda.

A construção dessa bandeira sempre foi facilitada pelo tom megalomaníaco das declarações de executivos à serviço da MPAA, que diziam coisas como essa fala que John Malcolm soltou em entrevista ao The Guardian, em 2007: “Basicamente, os administradores do Pirate Bay e outros como eles não passam de criminosos que lucram bastante com a facilitação da distribuição de milhões de obras criativas protegidas por direitos de autor”.

As respostas de Peter Sunde – frontman do Pirate Bay – seguiam o mesmo tom, mas abandonavam as conotações maniqueístas e abraçavam um tipo de humor fortemente transgressor: “Eu não gosto da palavra intocável, mas nós sentimos-nos bastante seguros. O governo dos EUA está perdendo popularidade a cada dia que passa, na Europa e as pessoas não querem ver-nos ceder a eles. Comecei a copiar disquetes no meu computador quando tinha oito ou nove anos (…) Nunca se deve dizer às pessoas aonde elas não podem ir ou o que elas não podem fazer.”

A diferença entre as duas organizações não passa somente pela velha retórica de uma baixa e a outra processa, mas sim pela própria maneira com que elas lidam com questões delicadas. Para se ter um exemplo de como esse ponto funciona na prática, basta saber que em 2007, a Wedins, uma rede gigante de sapatarias da Suécia, copiou integralmente a logo do Pirate Bay e a colocou numa bolsa escolar – usando inclusive o nome do site. O que eles responderam? Que estavam felizes com a propagação do modo de vida pirata por aí… Simples assim, não cresceram o olho pra cima dos lucros da outra empresa!

Essa política de se livrar totalmente das amarras de propriedade intelectual tem um nome, e faz parte de uma ideologia poderosa: Kopimi (Copy Me, ou Copia-me, na língua de Pero Vaz de Caminha). A Kopimi é simplesmente a rejeição total de qualquer laço que prenda um produto ao seu dono. Parece uma ode a loucura, mas faz sentido com embasamento histórico impressionante, se analisarmos o contexto em que eles colocam a questão no livro  MAckt, Broccoli, och Kopimi.

Se observado de uma forma superficial e fora do contexto, o livro parece um monte de transcrições de viagens de cogumelo. As frases mais se assemelham a uma espécie de Fitter Happier – música do Radiohead em que Thom Yorke imita um robô, recitando um monte de mantras motivacionais tirados de anúncios publicitários – falada por um robô em curto circuito. Ou ainda uma versão 3.0 de Technologic, música viajandona do Daft Punk.

Mas, de forma geral, assim como um poderoso quebra-cabeças, o livro forma um conjunto estético interessante, como palavras de ordem que herdam aquele tom urgente e elegante característico das obras de Hakim Bey. Nas palavras dos próprios escritores – o quarteto fundador do Pirate Bay – o livro é tão somente 100 instruções simples sobre como alcançar coisas impossíveis.

Abaixo está a introdução e a conclusão do livro, traduzidas do inglês (o original está em sueco) pelo português Miguel Caetano, que escreveu brilhantemente sobre a cultura de compartilhamento no seu blog Remixtures (que infelizmente está parado, devido a uma série de problemas pessoais e financeiros do autor).

Segundo o Kopimi, todas as verdades podem ser resumidas numa única frase: “A Internet está sempre certa.” Com origens pré-históricas, o Kopimi tende para o futuro, agregando em si uma vibrante avalanche de conhecimento, criando os fundamentos para uma discussão livre das mudanças do tempo e do espaço. Um tumulto onde não existe razão em permanecer calado, tens que comunicar com toda a gente. (…) Este livro é um projeto em forma de enxame e cardume, organizado de uma forma espontânea, que tem uma única intenção – intensificar, multiplicar e condensar o Kopimi. Queremos ir mais ao fundo de nós próprios e do Kopimi. Queremos atingir-vos a vocês e ao futuro. Ao mesmo tempo, as nossas palavras irão soar como maluquices às orelhas quase surdas, e como carícias deliciosas para aqueles que querem ver e ouvir. Mas, acima de tudo: elas permanecerão convosco, com vocês em particular e com as vossas mães. Este é um livro para vocês que vivem no momento,t mas procuram olhar em frente no tempo. (…)

Na sombra da crise definitiva da indústria cultural no século XXI, surge um horizonte mais vasto de powehr, bróculos e Kopimi [título do livro, aparentemente intraduzível]. Cada passo nos fracassos do setor cultural é seguido por atemorizantes sucessos e disseminação estrutural de uma elite da Internet. O livro que estão lendo não possui nem autor, nem designer nem tipógrafo nem meio de distribuição. E no entanto está mesmo à vossa frente. Como é que isto é possível? Leiam as instruções assustadoras que um núcleo de peritos em TIs, vagamente ligados entre si, implantou na existência em rede de uma geração insuspeita de jovens e sobre como o grupo roubou os ovos, os dólares e os jpegs, mesmo debaixo dos olhos do establishment e de poderosos interesses financeiros. Leiam sobre como servidores, trackers, emails, contratos empresariais, investidores estrangeiros, anúncios escandalosos, links e motores de busca infiltraram e arruinaram um mundo que não tinha ninguém com quem contar, ninguém a quem pedir conselhos e ninguém em quem confiar…

A máquina que funciona abaixo das frequências dos radares move-se livremente desde as selvas do Cambodja até à dissoluta São Francisco, pelas praias vazias de Tel Aviv e até às ligações de Internet das pessoas comuns dos subúrbios de Jönköping, ou até ao porto de Gotenburgo. Toca em tudo o que passa e destrói tudo o que está ao seu alcance. Tecnicamente superior e fisicamente independente, ela transforma-se, metamorfoseia-se e reaparece continuamente, em encarnações permanentes e sob diferentes nomes de código. Enquanto estrangula os seus opositores ela permanece inalterável e ainda mais – incompreensível.

Foi dito que esta é a primeira vez que o Kopimi liberta o mundo mas podemos estar certos de que não será a última.

Mesmo que você ache que tudo isso não passa de delírios de jovens que querem somente tirar uns trocados através da vida online alheia, é inegável que eles acertam em vários pontos. Imagine o quanto de dinheiro possuem as indústrias cinematográficas e musicais juntas, e chegue facilmente a conclusão bizarra que jovens sem qualquer dinheiro ajudaram a solapar as bases dessas organizações cheias de si. É nesse contexto que eles pregam a superioridade técnica da internet e são bem compreensíveis.

Em 2008, o Piratebyran se auto-definiu, num relatório intitulado Piratbyrån – The Bureau of Piracy Activities 2007:

Piratbyran (The Bureau of Piracy) não é uma organização, pelo menos não da forma como conhecemos as organizações. Em primeiro lugar, o Piratbyran é, desde o seu início, em 2003, um debate. Estamos refletindo sobre questões relacionadas com a cópia, infra-estrutura de informação e cultura digital. Dentro do grupo usamos nossas próprias experiências e habilidades diferentes em nossos encontros diários com outras pessoas. Essas conversas muitas vezes trazem à luz diferentes tipos de atividades dentro da nossa área”.

Parece uma forma escusa e vaga de se definir, uma maneira encontrada de colocar em segundo plano algo considerado fundamental numa empresa/organização/grupo: definir clara e publicamente sua missão e sua visão de mundo. Aparentemente, essa definição meio etérea foi somente uma forma de destacar o principal do relatório: as atividades do grupo. E eles fizeram toda a sorte de coisas: palestras, entrevistas para publicações importantes como a Vanity Fair, planejamento de conferências – como a O Petróleo do Século XXI, em Berlim -, a abertura de uma lucrativa loja online.

Rasmus Fleischer, o principal porta-voz do grupo, durante os protestos populares contra a invasão e apreensão dos servidores do site em 2006, disse que o Byran é apenas “uma forma de equilibrar o poderoso lobby das organizações de direitos autorais, uma iniciativa popular para manter a cultura intacta, o mais livre possível de interferências financeiras.” Rasmus voltou a falar do assunto em 2009, na cerimônia que deu um “Prêmio de Distinção” ao Byran (em conjunto com o Wikileaks) durante o Prix Ars Electronica – um dos mais importantes prêmios anuais no campo da arte interativa, eletrônica, da música e da animação e cultura digitais.

Nas palavras de Rasmus:

“O Piratbyran não é uma organização, mas uma conversa em curso sobre direitos autorais, a cultura de compartilhamento de arquivos e dos meios digitais. Nos últimos seis anos, o Piratebyran tem sido capaz de criar um espaço discursivo que permite que atores e coletivos possam ser ouvidos, além de  expandir significativamente a gama de opiniões que entram no debate público à respeito de direitos autorais. Para avançar nessa conversa, nós estamos utilizando uma ampla gama de soluções inovadoras, experimentais, e muitas técnicas de humor – bem como os meios tradicionais de propagação de informações, tais como debates públicos, entrevistas. O debate resultante foi recheado de camadas, que vão desde o tecnológico (por exemplo, o The Pirate Bay), o artístico (por exemplo, um passeio de ônibus pela Europa para o encontro Manifesta 08), à política (por exemplo, o Partido Pirata). Com recursos muito limitados, o Piratebyran foi capaz de galvanizar um movimento político que já moldou o desenvolvimento da cultura digital e das políticas públicas na Suécia e em toda a Europa, forçando os limites do possível e imaginável.

O Piratebyran visa nada menos do que a questão fundamental da maioria das categorias de base – por exemplo, a distinção entre o produtor e o consumidor – por meio do qual compreender a cultura, a fim de investigar como ela se aplica à condição digital. O Piratebyran não tem a pretensão de oferecer uma solução para esta questão extremamente complexa, na verdade, ele questiona o pressuposto de que autor oferece um pacote de soluções para a produção cultural, que agora precisa ser substituída por outra solução unificada. Tudo isso foi feito com muita dedicação e sob considerável risco pessoal, mas nós nunca nos esquecemos que o humor e a ironia são algumas das armas mais fortes para os produtores culturais”.

O Pirate Bay é como um componente mainstream e roqueiro do Piratebyran, uma organização de estrutura anárquica e sem qualquer hierarquia, que nasceu da união de indivíduos que se comunicavam via IRC. A intenção era basicamente buscar a consolidação de uma série de projetos descentralizados que queriam causar certo impacto na internet. O que começou com uma espécie de diversão de fim-de-semana de alguns jovens, acabou por crescer e se tornar a voz do contraponto as até então indiscutíveis leis de direitos autorais. Ao contrário dos movimentos pró-copyleft (trocadilho com copyright, sendo basicamente sua antítese) surgidos anteriormente, que eram sisudos e enrijecidos – além de dependentes de setores corporativos, como o universitário americano – o Piratebyran era pulverizado, sem escritório ou integrantes oficiais, quase uma marca intangível. Está para o mundo do copyright como Luther Blisset está para o mundo das artes e da mídia, é um inimigo sem rosto e praticamente indestrutível.

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