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Você pode até não conhecer Jim Henson, mas você definitivamente conhece Os Muppets. Henson teve uma longa e importante carreira como manipulador de bonecos, sendo que seu primeiro sucesso foi o programa chamado “Sam and Friends”. Neste programa, em colaboração com sua esposa Jane Henson, Jim criou o boneco que se tornou um dos personagens mais famosos da história do entretenimento, o sapo Caco. Em 1968, a empresa dos Henson, a Muppets Inc., foi responsável pela criação dos bonecos que compunham o programa Vila Sésamo, ou seja, o famoso pássaro Garibaldo também é uma criação de Jim Henson. Em 1976, estréia o The Muppet Show, no qual os bonecos Caco, Fozzie, Gonzo, Rizzo, Animal e Senhorita Piggy são as estrelas. Em parceria com a Disney, Henson animou em 1990 os personagens da série Família Dinossauros.

Em 1965, Jim Henson realizou um filme chamado Time Piece que ganhou o prêmio de melhor curta-metragem do festival de Veneza em 1965 e foi indicado a mesma categoria na premiação da academia em 1966. O filme é uma montagem de pequenas cenas e efeitos sonoros bricolados por cima de uma linha percussiva. São cenas que retratam o cotidiano sendo invadido por situações sem sentido. Henson é uma espécie de protagonista, interpretando boa parte das situações com um humor bastante fino, que têm ressonâncias como o humor dos Pythons e de Chaplin. Ao mesmo tempo em que o curta parece reforçar a crítica presente em Tempos Modernos (1936), a tonalidade do filme parece tender e antecipar, o estilo de comédia tonta [silly] que vemos, por exemplo, em O Sentido da Vida (1983).

O quadrinho Conto de Areia trazido ao Brasil pela editora Pipoca e Nanquim em 2018 é uma adaptação, realizada por Ramón K. Pérez, de um roteiro para cinema escrito por Jim Henson e Jerry Juhl em meados de 1967 e 1974. A produção do roteiro localiza-se em uma fase da vida artística de Henson bastante importante na qual ele havia realizado “Time Piece” e que logo depois havia se aventurado em The Cube, um “filme para tv” exibido em 1969 no programa chamado “NBC Experiment in Television”. Neste filme, um homem está preso em um ambiente em forma de cubo que será constantemente visitado e invadido pelos mais variados personagens, em uma narrativa sempre atrelada ao escape ou o eterno enclausuramento no cubo. Os esquetes de cada personagem seguem a inspiração surrealista que já estava presente em Time Piece.

Henson realizou outros filmes ao longo de sua vida. Em 1979, foi lançado primeiro longa-metragem dos Muppets, “Muppets, o Filme”, seguido por “A Grande Farra dos Muppets” (1981) e “Os Muppets Conquistam Nova Iorque” (1983). Em 1982, realizou “O Cristal Encantado” um filme de aventura e magia com elenco inteiro composto por bonecos. Em 1986, juntamente com Lucasfilm, lançou “Labirinto, a Magia do Tempo”, filme estrelado por David Bowie e Jennifer Connelly. Entretanto, a elaboração do roteiro de Conto de Areia localiza-se entre Time Piece e The Cube, fazendo com que possamos olhar para ele como uma espécie de episódio de uma trilogia.

O quadrinho conta a história de um rapaz (Mac) que ao vagar pelo deserto, encontra uma cidadezinha. Ao chegar nela, percebe que a população está em festa, música e dança. Logo, Mac percebe que a festa é por sua causa e o xerife da cidade o recebe dizendo: “Parabéns garoto. Hoje é um dia importante pra nós”. Mac descobre que a cidade o estava aguardando e que irá participar de uma espécie de corrida pela deserto. Não demora muito a perceber que mais do que uma corrida, ele na verdade está em uma caçada em que a presa é o próprio Mac. Há um sujeito de tapa-olho que começa a persegui-lo pelo deserto, buscando executá-lo ou atormentá-lo.

 

A jornada de Mac pelo deserto é marcada por inúmeros encontros com personagens e coisas da cultura pop cinematográfica norte-americana. Armadilhas de urso, leão, clubes secretos, urso vestido de guarda florestal, femme fatales, tubarão branco, Dry Martini, estouro da boiada, tanques de guerra, índios, beduínos, o próprio Jim Henson dirigindo um filme, jogadores de futebol americano, um saloon, duelo de pistolas, perseguição de carros e uma grande explosão. As tonalidades surrealistas e dadaístas do roteiro e do quadrinho tendem a levar os leitores às polissêmicas possibilidades de interpretação do discurso e narrativa. A questão é que obras que se utilizam desta impossibilidade de fechamento de sentido, acabam por produzir no espectador exatamente o efeito de busca por algum sentido que explique o que está confuso e misterioso. Foi o que explicou Freud diante de A Metamorfose de Narciso, quando de seu encontro com Salvador Dalí: “Nas pinturas clássicas procuro o inconsciente — em uma pintura surrealista, o consciente”.

Como poderíamos então escapar a essa espécie de fúria de interpretação de obras como Conto de Areia e ainda sim, dela podermos extrair alguma coisa que não seja mera especulação projetiva, isto é, tentativas singulares de produção de sentido e compreensão? Inicialmente precisaríamos lembrar que o quadrinho que temos em mãos é uma adaptação do roteiro de Jim Henson, ou seja, a priori entendamos que o tal roteiro perdido passou por uma leitura de Ramón K. Pérez.

Por mais fiel e detalhista que a adaptação seja, temos acesso a história de Henson através dos olhos e mãos de Pérez. Esse tipo de transformação textual sempre abarca necessárias e preciosas distorções. O exemplo aqui seriam as páginas de abertura do quadrinho em que quadros narrativos desenhado por Pérez, que nos apresentam o deserto no qual se passará a história estão bricolados com trechos do roteiro original de Henson. Essa é uma escolha de Pérez e não de Henson, pois essa é uma escolha que pensa o roteiro como quadrinho e não como filme. Esse tipo de distorção presente em qualquer adaptação poderia ser compreendida como um empecilho para o acesso à “verdade” da obra, entretanto, na realidade, a montagem de texto e imagem realizada pelo quadrinista indica o quanto Pérez presou pela manutenção do estilo narrativo surrealista de Henson, seja no que ainda nos é transmitido do roteiro original, seja em relação às suas outras obras cinematográficas surrealistas e dadaístas. O mesmo pode ser dito quanto a obra como um todo. Pérez é formidável no que tange o estabelecimento de um estilo completamente sui generis, que consegue de uma só vez remeter ao estilo Henson de formas, tempos e cores, bem como aos seus próprios traços de estilo presente em seus outros trabalhos como na elogiada fase do Gavião Arqueiro (2015-2016).

Em Conto de Areia, Pérez apresenta uma miscelânea de formas narrativas que vão se transformando ao longo do livro. O estilo de quadros, suas disposições e cores, por exemplo, não se repetem ao longo da obra. Essa opção mostra Pérez bastante ciente de sua intertextualidade, já que o desenvolvimento da história de Mac é marcado por insinuações da infinita repetição. Quando Mac encontra no meio do deserto uma placa de sinalização para carros que contém o símbolo o “8” deitado, o “infinito”, se depara com um sinal de o looping a sua frente é infinito e remete a “The Cube”, assim como o dinamismo e a velocidade das escolhas narrativas de Pérez se voltam à ao impulso retilíneo de seguir em frente, presente em “Time Piece”.

Em geral as narrativas engendradas pelos pressupostos do surrealismo ou dadaísmo tendem a causar no espectador certo efeito do absurdo, que em muitos casos geram desconforto frente a impossibilidade de compreensão. Filmes como Sonhos que o Dinheiro pode Comprar (1947) de Hans Richter e Um Cão Andaluz (1929) de Luis Buñuel são exemplo clássicos dessa situação. O efeito de incompreensão do absurdo é desejado pela autora ou autor surrealista exatamente por produzir essa espécie de “choque” discursivo na lógica narrativa. Esse “choque” desaloja o sujeito-espectador, instigando-o a se reorganizar e relocalizar a partir de seus referenciais simbólicos e imaginários. Em Conto de Areia, Pérez realiza a dificílima proeza de operar na manutenção formal do preceitos do surreal e do dada, sem causar incômodos através de um desalojamento chocante. A sensação de absurdo aqui ao invés de produzir desalojamento e até mesmo mal-estar, pelo contrário produz um efeito potente de interesse e diversão no leitor. De certa maneira, o absurdo neste quadrinho se aproxima muito mais do non-sense que encontraríamos em um episódio de Coyote e Papa-léguas, do que em um quadro de Dalí, fazendo com que Conto de Areia seja uma obra que pode muito bem agradar quem de fato gosta da estética surrealista, quanto quem não tem grandes amores pela mesma.

É preciso reconhecer que assim como uma produção cinematográfica, o quadrinho Conto de Areia é uma obra coletiva, executada por diversas mãos. Há o roteiro de Jim Henson com pareceria de Jerry Juhl, mas o trabalho de preservação e restauração da equipe da “The Jim Henson Company” foi fundamental. Desde o encontro dos roteiros pela arquivista Karen Falk, até a publicação pela editora Archaia houveram provavelmente uma série de conversas, cortes e aprovações. O fato de que herdeiros de Henson estejam envolvidos no projeto deixa seus rastros no livro invariavelmente também. Conto de Areia não deixa de ser uma espécie de celebração da vida e obra de Jim Henson. Vida e Obra principalmente no que tange a realização de um projeto esquecido, adiado ou fracassado.

O sucesso que Henson almejava enquanto cineasta sempre esteve à sombra daquele que alcançou com Sam and Friends, The Muppets e Vila Sésamo. Mesmo os filmes “Labirinto” e “Cristal Encantado”, que com o passar dos anos cultivaram suas próprias legiões de fãs, não foram reconhecidos como “sucessos” à época. O gênio das marionetes desejava ser também reconhecido enquanto diretor de cinema, o que nunca foi segredo para ninguém. O que não sabemos são os bastidores dessa carreira que ele tanto buscava, quantos projetos, roteiros e ideias foram recusados? Até mesmo o roteiro de Conto de Areia parece ter sido abandonado exatamente quando Henson precisou assumir a direção de Vila Sésamo. Como afirmam familiares e amigos em documentários – que podem ser encontrados na internet – ele morria de medo de estar preso em seu próprio “cubo” do qual permanecesse infinitamente tentando sair, bem como sentia uma espécie de “pressa” criativa que o levava de um projeto ao outro sem tempo de olhar para trás.

Os momentos mais tocantes da adaptação de Conto de Areia remetem à relação de Jim Henson com o cinema. A primeira está já na primeira guarda do livro, muito antes da história começar, mas de certa forma já a iniciando. Ao abrir o quadrinho encontramos uma arte de folha dupla em que vemos uma montagem de fotografia e desenho na qual um jovem diretor de cinema Jim está por trás das câmeras, contemplativo, enquanto os personagens de Conto de Areia aparecem em um momento de pausa das filmagens, esperando as ordens do diretor ou decorando o roteiro. A fotografia de Henson fusiona com os desenhos de Pérez, realizando as gravações que nunca aconteceram e ao mesmo tempo tornando o jovem diretor Jim em um personagem de quadrinho. Uma vez que o personagem do jovem diretor Jim está estabelecido, ele retorna no meio da narrativa, agora em forma de desenho, gritando o grande clichê dos diretores de cinema “Corta! Corta!”.

Dentre uma série de estereótipos da história do cinema que surgem como obstáculos do protagonista Mac, Jim Henson é representado por Pérez como o próprio estereótipo do diretor hollywoodiano. Nestes dois momentos, o quadrinista nos oferece o sentido por trás, não do roteiro, mas de sua adaptação. A história de Mac é a história do jovem diretor Jim. Morrendo de medo de estar fadado a se repetir para sempre, nosso herói atravessa um deserto repleto de tipos hollywoodianos tão passageiros quanto sem sentido. Enquanto isso, o inimigo está em seu encalço sempre com vantagem e sempre rindo do sofrimento do protagonista, ninguém menos que seu doppelgänger. Nesse sentido, o Tubarão, o Leão e todos os outros personagens dessa aventura podem se tornar uma metáfora ou uma representação pura de algo relacionado ao mundo cinematográfico e as dificuldades de Jim Henson de se estabelecer como diretor.

A vida e obra de Jim Henson merece toda celebração possível e está devidamente homenageada no livro. Porém, mesmo se tratando de um projeto coletivo, esse quadrinho é uma grande celebração de Ramón K. Pérez como interprete de um roteiro e a trajetória complexa de um projeto perdido – apesar de os extras serem um tanto quanto singelos com a figura de Pérez. A edição que o Pipoca & Nanquim trás para Brasil segue acertadamente o modelo publicado nos Estados Unidos, que é toda especial. Os detalhes de acabamento do livro são uma preciosidade que de fato não precisavam de alterações. O livro emula um caderno moleskine, remetendo ao uso de um caderninho de anotações muito comum aos cineastas hollywoodianos, por exemplo. A singeleza com Pérez é inversamente proporcional ao peso do nome Jim Henson, além de estar completamente balanceada com a qualidade do quadrinho que foi entregue pelo artista.


FICHA TÉCNICA

Editora Pipoca & Nanquim
Formato 20 x 27,5 cm
160 páginas coloridas
Capa dura com miolo em papel off set 120g/m2
Acabamento especial com relevo na capa, cantos arredondados e marca-página de – elástico.
Tradução do inglês por Marília Toledo
1ª edição – Março/2018.
ISBN: 978-85-93695-08-7
Preço de capa: R$ 69,90

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