Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Google+ Compartilhar no Tumblr [ARTE DA VITRINE]: Thiago Chaves (@chavespapel) “Seu rosto não era agradável. Era duro, cruel e lascivo, e seus grandes dentes brancos, que pareciam mais brancos ainda porque seus lábios eram muito vermelhos, eram aguçados como os de um animal.” Quando Bram Stoker começou a escrever seu eterno Drácula ele não estava criando um mito. Mitos não se criam, já existem entranhados no inconsciente das civilizações. Em todos os povos ao redor do mundo existem lendas de entidades sugadoras de sangue, inclusive no Brasil com seu famigerado chupa-cabras. Então se não cabe a Stoker a alcunha de criador, e sim a honra de ter apresentado ao mundo a forma como os vampiros seriam representados nas décadas posteriores. Tal imagem encontrou ecos até no outro lado do mundo, no Japão. Parcialmente inspirado no romance Carmilla, do também irlandês Joseph T. Sherindan, e na figura histórica de Vlad III, príncipe famoso por empalar vivos seus adversários, ele deu origem ao vampiro definitivo, no qual todos os artistas seguintes que abordaram o tema se basearam. Ganhou inúmeras vezes as telas do cinema, onde ganhou status de monstro clássico ao lado de Frankenstein e do lobisomem, games, as páginas dos quadrinhos e as de outros livros escritos por autores também talentosos e, porque nem tudo pode ser perfeito, voltou aos holofotes com o amado por muitos (e odiado por outros tantos) Crepúsculo. Por isso não é nem um pouco de exagero dizer que Drácula é obrigatório a qualquer fã de horror e de literatura que se preze. Talvez eu nem precisasse contar um pouco da história, porque ela já deve ser conhecida pela maioria, mas direi em poucas linhas gerais como é o enredo de Drácula. Jonathan Harker faz uma viagem até o castelo do conde Drácula na Transilvânia para tratar da venda de um antigo imóvel em Londres. Pouco depois de chegar, percebe coisas estranhas, como o fato do conde não refletir no espelho e a casa não ter nenhum empregado, como anteriormente havia lhe sido dito. Só então percebe que Drácula o fez prisioneiro no castelo e provavelmente jamais conseguirá sair vivo de lá, por mais que tentasse. Afinal ele já sabia demais. Enquanto isso, o vampiro põe em ação seu plano de se mudar para Londres e lá criar novas esposas vampiras. Entre elas a noiva de Harker, Mina. Para tentar impedir a criatura das trevas surge o professor Van Helsing, o qual unido a Dr. Seward, Lorde Godalming e Quincey Morris, lutarão até a morte contra o monstro. Este é só um painel bem geral da história. Não gosto de contar muito nas minhas resenhas, prefiro que, caso o leitor procure a obra depois, não perca nenhuma surpresa. Sempre quando encontro alguma crítica à Drácula quase aponta como maior defeito do livro o fato dele ser um romance epistolar, ou seja, sua estrutura é formada por cartas, telegramas e anotações dos diários dos protagonistas. Ora, mas isso não é verdade. Arrisco-me a dizer até que se Drácula seguisse uma estrutura mais tradicional ela não alcançaria a fama que alcançou. As anotações de diário põem o leitores diretamente com todo o pavor e angústia sentida pelos personagens, nos tornamos mais próximos deles, quase íntimos. Como não sentir um arrepio na espinha quando Jonathan se vê cercado pelas três esposas de Harker? Ou como não se frustrar com ele quando todas as suas tentativas de fugir fracassam? E ainda o pesar de quando alguém da história morre? O horror e poder da obra está aí, nesses relatos em primeira pessoa. Drácula é mais um propulsor para que a história aconteça, tanto que após os acontecimentos da prisão de Jonathan ele só volta a aparecer pra valer depois das quatrocentas páginas. Contudo, a sua influência está ali, sua figura age por debaixo dos panos, de forma subliminar, motivando os acontecimentos do livro. A estrutura epistolar também garantiu que o livro não possuísse um único protagonista, mas vários e que víssemos o livro por várias formas diferentes de pensar. Claro que isso não é perfeito. Acompanhar refeição por refeição de Jonathan no início do livro não é bem a ideia que faço de diversão. Tampouco não fez Bram Stoker abusar das coincidências. Justamente quando os eventos vão se apresentar os personagens decidem iniciar um diário. Nossa! “A cor formosa tornou-se lívida, os olhos pareciam lançar faíscas do fogo do inferno, a fronte enrugou-se como se as dobras de carne fossem os cachos de cobras de Medusa e a boca adorável, manchada de sangue, tornou-se um quadrado escancarado, como nas máscaras de cólera dos gregos e dos japoneses.” “Ouça-os, os filhos da noite. Que música fazem.” A narrativa de Drácula em geral é lenta, como é em muitos clássicos literários. Isso me faz pensar que não são só os jovens de hoje que são hiperativos, mas todos tem uma visão de mundo mais rápida. Atualmente, o livro para conseguir sucesso quase sempre tem que ser ágil, daqueles que você lê de uma vez só e, com o tempo, descarta. Por isso algumas pessoas quando lêem Drácula acham chato ou parado. Se Drácula fosse escrito hoje iria ser uma série de 5 livros com uma prequência abordando como ele se tornou o rei dos vampiros. O suspense é marcante e prende a atenção do leitor, mas me dá uma certa sensação de melancolia. Ele nunca mais será tão magnífico quando o foi em seu lançamento. Sabemos demais sobre os vampiros, seus poderes e fraquezas. Não nos surpreende quando esses detalhes são revelados e já adivinhamos coisas importantes da trama por causa disso, como saber antes mesmo dos personagens e do livro dar indícios que alguém está prestes a se tornar um vampiro. Não estou dizendo com isso que Drácula não é surpreendente, que fique claro. E sim que a popularização do vampiro a ponto de tornar um gênero próprio teve seu preço. Drácula era ainda maior um século atrás. “As glórias das grandes raças não passam de histórias contadas.” Também vi alguns fãs mais exaltados menosprezarem as pessoas que preferem a série de vampiros de Anne Rice à Drácula. Eu, pelo contrário, compreendo muito bem isso. Drácula é um excelente livro? É, mas não fala a nossa linguagem, a atual. O livro tem todo o conservadorismo da virada do século XIX para o XX e ainda solta uma pérola em relação às mulheres (Não, Bram Stoker não era machista. O cara fez os personagens quase se matarem para salvar a alma da Mina). Já Anne Rice dialoga diretamente com o nosso tempo, ou um tempo próximo se preferir, do rock e da MTV. E ela ainda respeita as características básicas criadas por Stoker, só tomando algumas liberdades e atualizando o mito. Sem falar de como aprofundou o psicológico dos vampiros, abordando seus questionamentos, dramas e tragédias. São obras essenciais a qualquer fã de vampiros ou de histórias sobrenaturais. Drácula é um horror de primeira, embora seus personagens sejam extremamente planos. Quem é bom é um poço de virtudes e quem é mau, um verdadeiro demônio. Por isso digo que Drácula, apesar da sua alta qualidade, está longe, mas muito longe mesmo, dos resultados obtidos nos trabalhos de Edgar Allan Poe e e H. P. Lovecraft. “O desespero tem suas próprias calmas.” Eu não poderia escrever sobre Drácula sem falar do próprio. Inspirado na figura histórica do príncipe Vlad Tepes (leia mais sobre isso aqui), o maior dos monstros clássicos é o mal personificado. O livro deixa claro: a partir do momento em que você se torna um vampiro não existe escolha em ser bom ou mau, vegetariano ou sugador de sangue humano, você se tornou num monstro sem escrúpulos, por melhor que fosse quando estava vivo. E sua alma só alcançará a libertação quando seu corpo imortal for destruído por uma estaca de madeira cravada no coração ou trespassada pelo corpo, e a cabeça for arrancada. Digo isso só para avisar que aqui não há meio-termos. A figura do rei dos vampiros foi a melhor elaborada por Stoker, dando pra perceber todo o cuidado que o escritor teve com ele. Volvoide Drácula não era um homem comum quando vivo, ele foi propalado por séculos como a pessoa mais sábia e o mais bravo guerreiro, famoso na luta contra os turcos otomanos. Alcançou o grau máximo de conhecimento nas ciências de sua época e seu cérebro era o de um verdadeiro gênio. Pertencente ao nobre clã dos Dráculas, família ligada ao Maligno, escarneceu da Morte vivendo por séculos, em vários lugares do mundo, como o Rei dos Vampiros. Depois de morto as suas já grandes habilidades que possuía em vida ganharam o reforço de outras. O vampiro possui a força de vinte homens, pode se metamorfosear em animais, controlar elementos naturais como tempestades ou nevascas e animais como morcegos, lobos, corujas, moscas, ratos e raposas. Pode crescer e diminuir seu tamanho e até se transformar em névoa. Ou seja, Stoker fez dele um antagonista quase invencível. Quase, porque ele tem limitações, as quais já conhecemos: Sol, alho, crucifixos e outros símbolos sagrados. Mas se Drácula foi tão elaborado, o seu maior rival também não poderia ficar atrás. Abraham Van Helsing é o que torna o livro possível. Sem ele os personagens nunca se reuniriam, nem iniciariam a caçada contra a Drácula. Pior! Sequer tomariam conhecimento da existência dele. Numa época marcada pelo ceticismo da ciência, é Van Helsing que abre nossos olhos de que ainda existem eventos que a ciência é incapaz de explicar, com seu dom para a oratória capaz de levar homens às armas para lutar por uma causa que tinham sérias dúvidas minutos atrás. Ele não é o caçador de monstros ridículos de Van Helsing interpretado por Hugh Jackman. É um cientista, já um pouco velho e sem força para grandes empreitadas. O seu poder está na mente, capaz de descobrir o passado, forças e fraquezas do Conde Drácula. Drácula tem a mente de um gênio, ainda que infantil por ter perdido as memórias de quando era vivo, e para competir com isso é necessário alguém quase tão engenhoso quanto, representado na figura do holandês Van Helsing. “A calma é uma das qualidades que os loucos mais respeitam.“ Além desses dois, outra personagem interessante é Mina Harker. Se antes ela era a mera moça temerosa pelo destino do noivo desaparecido, com o decorrer da trama ela cresce tanto em importância a ponto de sobrepujar Van Helsing. É ela que leva Drácula ao seu fim, ninguém mais. Ela cria uma ligação psíquica com Drácula e faz deduções que faz os companheiros considerá-la tão inteligente “quanto só um homem pode ser” (a pérola que comentei antes, reflexo do pensamento da época e hoje é tratado como machismo). Os demais personagens têm sua importância na história, mas precisamente em pontos específicos do livro. Jonathan no início, Dr. Seward durante e, no fim, Quincey Morris. Há ainda outros, tipo o Renfield, responsável por boa parte do suspense. Drácula contém trechos pra lá de picantes para a Inglaterra do século XIX. Os vampiros são seres sedutores e vis, imãs das vítimas para os braços da Morte. Não basta ser só mais rápido e forte, um predador perfeito. Eles, com sua lascívia e sensualidade, atraem as pessoas em direção a eles, como um inseto atraído pela luz de uma lâmpada. Justamente esta característica é a que mais permanece inalterada na maioria das obras posteriores, até mesmo em Crepúsculo, que despreza praticamente tudo da mitologia. Bram Stoker escreveu o tipo de livro que você já sabe o final. Drácula será morto. A questão é ver como isso vai acontecer. E a morte do vampiro foi meio decepcionante para mim. Stoker me pareceu um pouco cansado de tanto escrever (o livro que eu tenho é um tijolão de mais de 500 páginas) e resolveu acabar logo a história sem maiores dificuldades. Não que isso diminua o valor da obra. Muito pelo contrário, chega a ser um momento tocante, de pura redenção. Só acho que poderia ter rendido mais. Há exatos cem anos, no dia 20 de abril de 1912, Bram Stoker faleceu, após sofrer vários derrames cerebrais. Sua morte, como a de muitos escritores consagrados, foi quase ignorada na época. Cinco dias antes, o Titanic havia batido em um iceberg e os jornais estavam abarrotados de obituários dos ricos e famosos que faziam parte das 1.500 vítimas do desastre. Para o criador de Drácula, restou apenas cantos dos jornais, páginas bem mais discretas. Considerado na sua época um escritor irrelevante, Stoker só receberia o reconhecimento que tanto merece depois de muitos anos. Escreveu vários livros (Os sete dedos da morte, O caixão da mulher-vampiro, entre outros), mas, como Miguel de Cervantes e sua obra-prima Dom Quixote, acabou marcando seu nome na história por causa de um único livro. Mal sabia ele que esse livro ganharia quase tantas adaptações e reimaginações quanto a própria Bíblia e em todas as mídias imagináveis: outros livros, quadrinhos, filmes, peças de teatro, séries e novelas de TV, jogos de videogame e RPG e até mesmo músicas. Mais que tudo isso, entraria para sempre no imaginário popular mundial, presente em qualquer festa à fantasia ou Halloween, sendo o nome Drácula mais reconhecível, infelizmente, que o próprio nome do autor. De uma maneira que ninguém na época poderia conceber, Drácula deu a vida após a morte ao seu criador. Mestres do Terror: Drácula; Frankenstein; O Médico e o Monstro Autores: Bram Stoker, Mary Shelley e Robert Louis Stevenson. Editora: Nova Fronteira (2015) Páginas: 768 COMPRE AQUI: Submarino | Americanas | Saraiva | Amazon