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Resenhar uma obra como Frankenstein, de Mary Shelley, certamente não é uma tarefa que possa ser feita de qualquer maneira. Ainda mais em uma edição caprichada  como a da DarkSide Books, que transformou esse clássico da literatura fantástica em um objeto de desejo para muitos bibliófilos. Mas depois de demorar séculos para juntar todas minhas ideias, acredito que tenha encontrado um caminho para falar sobre um livro que já foi resenhado por MUITA GENTE. A solução foi usar o tarô para isso.

Se você vive em um castelo em um lugar isolado e não sabe do que se trata esse livro, vou fazer um breve resumo. A obra narra os mórbidos acontecimentos em torno do trabalho do cientista Victor Frankenstein (sim, o nome do livro é do criador e não da criatura), que pesquisava como criar vida a partir de um ser formado por partes de corpos de pessoas mortas recentemente. Sim, Victor misturava seus conhecimentos científicos e ocultos para fazer um dos mais inusitados e misteriosos experimentos científicos da literatura: criar vida a partir da morte.

O que mais me fascina na obra é que ao mesmo tempo, Mary Shelley misturou seus conhecimentos sobre ciência (herdados de seu pai), grande habilidade na escrita literária e um terrível pesadelo para criar uma das obras fundamentais da literatura fantástica. Não só inaugurando o gênero da ficção científica, como determinando os principais elementos do horror moderno. Além de ter uma forte influência da ciência de ponta da época, Shelley cita vários autores ocultistas, alquimistas e magos declarados como influências no trabalho de Victor Frankenstein, entre eles Cornélius Agrippa, Alberto Magno e Paracelso. Curiosamente, a obra da própria autora reflete essas influências através dos diversos princípios herméticos que nela estão inseridos e que veremos mais a frente.

SOBRE A NOVA EDIÇÃO

Minha leitura dessa edição da DarkSide Books deu um choque nas minhas memórias e me fez repensar em toda a minha relação com o personagem. Ele foi o primeiro monstro que realmente me assustou, mesmo que eu não soubesse disso. Afinal, a primeira HQ que eu li foi um Almanaque Kripta #1, lançado em 1977, mas que foi parar em minhas mãos por volta de 1987, quando eu tinha uns quatro anos. Lembro que foi um amigo sem noção do meu pai que deu o exemplar desse gibi adulto para mim, mas o problema maior foi quando tentei ler. Fiquei com tanto medo, mas tanto medo de uma história chamada “Child”, escrita Greg Potter e desenhada por Richard Corben, que eu mantinha a revista entre duas listas telefônicas para que nada pudesse sair dali. Essa história é uma versão de Frankenstein, onde o Monstro seria uma criança em um corpo forte de homem adulto. Toda a infantilidade da criança é usada para tornar o ponto de vista da criatura trágico e triste de uma nova maneira. Aquilo me marcou muito. Tempos depois, descobri que essa história foi publicada originalmente nas edições 57, 58 e 60 da revista Eeerie.

Porém, a primeira vez que ouvi falar sobre o monstro de Frankenstein talvez tenha sido no filme Deu a Louca nos Monstros (Monster Squad, 1987), que eu aluguei em VHS. Apesar de ser uma versão inofensiva da criatura, sua figura me fascinou logo de cara, principalmente por ser reanimada através da eletricidade. Algo muito inovador e interessante para uma criança.

Depois disso, eu devorei tudo o que pude do personagem durante toda a minha vida, sempre vendo o Monstro como um dos meus “heróis” favoritos. Li o livro várias vezes, tanto em versões adaptadas para adolescentes, como em inglês, ou mesmo de outros pontos de vista, como o sensacional O Diário de Frankenstein, de Hubert Venables. Porém, nada poderia me preparar para encontrar essa história sagrada em uma edição com uma capa remetendo aos antigos livros de anatomia, ilustrações literalmente extraídas de obras clássicas do estudo do corpo humano e algumas novas artes desenvolvidas pelo brilhante Pedro Franz. O livro é uma verdadeira carta de amor ao quebra-cabeça de carne, mas não é só bonito. Em suas páginas, a edição tem excelentes textos introdutórios que contextualizam toda a produção da obra, apresentam a autora e também nos preparam para o que está por vir. Sem falar em uma rica seleção de extras, incluindo os contos Valério: O Romano Reanimado, Roger Dodsworth: O Inglês Reanimado, Transformação e O Imortal Mortal, que são obras que raramente vemos traduzidas por aqui e que expandem as ideias da autora. Uma edição fascinante.

Apesar de não ter prestado muita atenção com relação à tradução ou comparado com outras versões, gostei do que li. Mas é o que dizem: se a leitura foi fluída e não pensei em qualidade da tradução durante o livro todo, a conversão para o português foi feita com eficiência. Por isso, parabenizo a Marcia Xavier de Brito pelo ótimo trabalho.

Por fim, a edição tem capa dura com acabamento acetinado e reserva de verniz, além do miolo ser em papel de boa gramatura, e ter um marcador em fita de cetim. Sem falar que essa foi a primeira publicação da Coleção Medo Clássico, que seria muito bem acompanhada por obras de outros autores de grande qualidade como Edgar Allan Poe e H. P. Lovecraft.

VAMOS VOLTAR AO TAROT

Assim como o Monstro criado pelo Dr. Frankenstein essa resenha foi feita com muitos pedaços diferentes. Tenho um Instagram chamado Fuzz Tarot, onde uso a sabedoria do tarot para analisar obras da cultura pop de um novo ponto de vista. Essa coluna fará isso aqui no Mob Ground, começando por esse clássico!

O tarot é um livro formado por 78 páginas, em forma de cartas, que podem ser lidas como uma história linear ou misturadas para formar outros significados. Ele está dividido em 22 arcanos maiores, que apresentam as grandes questões da vida, e 56 arcanos menores, que analisam os detalhes da vida através de quatro naipes que representam os quatro elementos (terra, água fogo e ar). Apesar de muitas pessoas utilizarem o tarot como um oráculo, ele não é capaz de prever o futuro, nada é. Ele é um instrumento de autoconhecimento através de símbolos e de uma estrutura baseada em diversos conhecimentos ocultos e ligados ao que nos define como seres humanos. Em outras palavras, o tarot é uma forma de acessar o nosso inconsciente por meio de imagens fortemente ligadas aos grandes arquétipos, a mitologia e ao essencial da vida humana. Muitos artistas utilizam essas para se inspirar, para encontrar novos caminhos e compreender melhor sua jornada nesta vida. O mesmo faço eu.

Dentre eles, o mais emblemático talvez seja a Criatura exigir que Victor faça uma companheira, que seja sua semelhante. Apesar de muitas vezes o cinema retratar o Monstro como um ser irracional, na obra ele é um verdadeiro pensador que aprendeu a ler e entender o homem através de sua literatura. Ao exigir para si uma contraparte feminina, o monstro demonstra ter consciência de que necessita reequilibrar sua situação na natureza através da possibilidade de gerar frutos de sua união com uma mulher de sua espécie. Afinal, ele se vê como uma aberração, um fruto doentio de uma mente doentia.

Pensando assim, vejo o Monstro como uma espécie de figura extremamente sensível e solitária, regida pelos elementos da água e do ar. Enquanto seu criador, é um materialista e obcecado pelas próprias criações, regido pela terra e pelo fogo. O choque entre os dois é como A Roda da Fortuna (X), que faz com que um círculo perpétuo onde um fere o outro. Até que um deles seja destruído. No entanto, quando isso acontecer, o sobrevivente vai perceber que ficou preso no arcano maior O Enforcado (XII), que revela ser uma postura onde o próprio indivíduo acredita ser incapaz de fazer algo por conta própria. Ou seja, ele perderá a razão de existir.

Enquanto Victor Frankenstein transita entre arcanos maiores masculinos, como a racionalidade de O Mago (I), a obsessão de O Imperador (IV) e o potencial máximo para qualquer coisa de O Louco (0); o Monstro é regido por arcanos maiores femininos, como a vontade de criar passiva de A Imperatriz (II), a necessidade de ver tudo em equilíbrio perfeito de A Justiça (VIII) e seu emocional extremamente abalado e fragilizado de A Lua (XVIII). Isso faz com que eles sejam sempre a sombra um do outro, que será sempre seu maior desafio representado no tarot pelo arcano O Diabo (XV).

Curiosamente, a ideia de um raio atingindo um castelo é exatamente o símbolo principal do arcano maior A Torre (XVI), que representa uma forte mudança. Se pensar assim, quando Victor criou a criatura em seu laboratório, irradiando seu corpo de eletricidade, ele sofreu o maior revés de sua vida, tanto pela desventura que se abateu sobre ele, como no destino que reservou para a criatura. Ambos seriam como os personagens que caem da torre e tem suas vidas ceifadas.

Essa combinação perfeita de elementos simbólicos tão elementares é uma das razões para que Frankenstein, de Mary Shelley, seja um dos mais influentes, memoráveis e originais romances de todos os tempos. Que merece ser lido e relido.

Frankenstein

Autora: Mary Shelley

Páginas: 304

Editora: DarkSide Books (2017)

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Para conhecer meu trabalho com o tarô, basta seguir o Instagram @fuzztarot, onde posto resenhas sobre cultura pop, faço cartas exclusivas, leituras da semana e muitas outras experiências usando o tarô.

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