A arte é o meio mais eficiente para fazer críticas aos mais diversos assuntos da nossa atualidade. Recentemente o mundo foi tomado de surpresa pelo videoclipe do Childish Gambino chamado This is America e os assuntos abordados lá são diversos e todos envoltos em um cinismo e uma simbologia própria. Um dos assuntos presentes é o racismo e como ele ainda é bastante presente em nossa sociedade.

O racismo é amplamente discutido em vários meios e eu relutei bastante em fazer esse texto para não soar mais do mesmo. Por outro lado eu me sinto na obrigação de falar sobre o segundo volume de Blacksad chamado Artic-Nation, publicado em 2017 pela editora SESI-SP que traz de maneira sutil e direta uma tremenda crítica ao esquecimento histórico.

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Recentemente o mundo descobriu que a onda de neo-nazistas vem aumentando nos últimos anos e tudo isso começou após os protestos de nazistas em Charlottesville que acabou com ao menos um morto e aproximadamente 33 pessoas feridas. Não bastasse o cúmulo do absurdo dos protestos, a CBS News publicou uma matéria compilando várias fotos de membros da KKK hoje em dia e após ler este volume de Blacksad não tem como deixar de assimilar o quadrinho com a realidade em que o mundo se encontra.


Blacksad é uma série de quadrinhos escrita pelo Juan Díaz Canales e desenhada pelo Juanjo Guarnido. A história narra os causos do detetive particular Blacksad, cada volume conta com uma história diferente e fechada, então caso você queira pegar o volume 2 e ler primeiro não tem problema. A história é contada com animais antropomórficos e todas elas são ambientadas em 1950 remetendo a filmes noir como Lady From Shanghai, dirigito por Orson Welles e lançado em 1947. Nessa história em específico, Blacksad é chamado para investigar o desaparecimento de uma menina e aos poucos ele descobre que a cidade é comandada por um político que prega a superioridade branca. Ele diz abertamente que está varrendo os negros da rua e em breve toda cidade vai ser perfeita e pura novamente.

É claro que isso é uma referência direta ao nazismo e isso nos leva aos protestos em Charlottesville e a omissão do presidente Donald Trump com relação ao ocorrido. Ele nem sequer denunciou o acontecido e disse que “Há culpa em ambos os lados” e foi amplamente criticado por sua omissão. O diretor Spike Lee está prestes a lançar o seu filme com o nome BlacKkKlansman e criticou o presidente dizendo o seguinte:

Depois de Charlottesville, esse filho da puta [Trump], que define o momento não só para os EUA como para todo o mundo, teve a chance de dizer que apoiamos o amor e não o ódio. E o filho da puta não denunciou nem os putos do Klan, nem a direita radical, nem os filhos da puta dos nazistas.

O Ku Klux Klan será o tema do novo filme dele e também é abordado neste quadrinho. KKK é a junção de três movimentos distintos que defendem correntes reacionárias e extremistas, tais como a supremacia branca, o nacionalismo branco, a anti-imigração entre outras coisas. O movimento se expressa através do terrorismo à todas as pessoas que se opõe a eles. Na história eles sequestram um personagem de coloração de pele diferenciada para ser executado e também acabam executando um personagem chave da trama por conta do envolvimento dele com pessoas negras no passado. Fica claro aqui que não importa que o personagem seja branco, ele ao se relacionar com pessoas negras, mesmo que seja no passado, automaticamente perde sua “pureza”.

Essa é parte o quadrinho deixa claro que está criticando diretamente o nazismo e derivados, inclusive utiliza os mesmos simbolismos como as roupas e a cruz pegando fogo. O que me deixa mais espantado é que o lançamento oficial da obra pela editora Dargaud foi em 2003 e as imagens que eu vou comparar aqui são atuais. Parece que a cada ano que passa a raça humana está repetindo os mesmos erros do passado e com isso estamos trilhando um caminho sem volta. As imagens foram tiradas da CBSNews e já está linkada no post.

Foto de Agosto de 2016

Outro paralelo que eu consegui traçar neste quadrinho é do político quando vemos ele apontar com orgulho para uma espada que pertenceu a um general do Estado Confederado. Blacksad prontamente se refere a ele como “um ícone pros defensores das causas perdidas”. No Brasil tivemos um caso semelhante quando um político saudou um torturador em rede nacional e não sofreu nenhum tipo de consequência por conta disso. Este mesmo político já esteve envolvido em casos de racismo e usa o termo opressão como algo aceitável e engraçado.

Outro ponto abordado com ênfase é o apartheid que a primeira instância pode parecer algo que já foi vencido e exterminado lá em 1991, mas vemos o oposto disso atualmente. No quadrinho tem lugares que negros não podem entrar e caso descumpram a regra, vão sofrer as consequências.

No Brasil o racismo e a segregação parece ter uma força grande e surgem casos absurdos como o do Evandro Fióti (cantor) que foi barrado na São Paulo Fashion Week no desfile da sua própria marca de roupa. Ele disse nas redes sociais o seguinte:

“Ser preto é ser barrado pelo segurança do evento até mesmo quando é da sua marca e com pulseira…”

Ainda no Brasil tivemos o caso do advogado Flávio Cesar Damasco, que havia passado por um setor de identificação normalmente e ainda assim foi abordado de forma hostil por três seguranças, tudo isso filmado por câmeras de segurança. Na Espanha tivemos um caso de uma criança negra que foi hostilizada por outras crianças brancas em um parquinho, o vídeo chocou a internet e gerou uma certa comoção.

Perceba que eu listei apenas 3 casos e um deles causado por crianças. Poderia muito bem continuar citando, mas o texto seria apenas de links de notícias e esse não é o intuito. Se notaram bem, todos os ambientes citados tem por maioria pessoas brancas e de alguma maneira as pessoas negras não foram aceitas lá. O apartheid ainda existe só que agora é de uma forma mais velada e acredito que tende a piorar com o passar dos anos. Temos nos EUA um presidente que se refere aos países que tem sua população negra de “Buracos de merda” e temos aqui no Brasil um político que concorrerá à presidência dizendo: “Eu fui num quilombola (…), olha, o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas… Não fazem nada, eu acho que nem pra procriador servem mais. (…)”. Tendo em mente esses políticos e o comportamento da grande massa não tem como negar que o apartheid é real, a diferença é que agora ele tem novas maneiras de se propagar, como se fosse uma atualização do que vimos acabar em 1991. Parece que a internet vem ajudando na propagação com comentários e atitudes nas redes sociais, transportando isso para a vida real.

Historicamente falando esses são os fatos apresentados no decorrer da história, tem outros assuntos que são pontuais e não recebem muito desenvolvimento. Um dos temas é uma possível relação de pedofilia dentro da igreja e logo depois acontece uma agressão física e verbal contra uma mulher, pontuando o machismo presente em alguns personagens.

Agora analisando esse volume como um todo, me parece que o primeiro foi feito no mesmo esquema do piloto de uma série de TV. Ele mostra o conceito, mostra o potencial da obra e deixa para desenvolver nos próximos volumes. É nítido o quão maduro o roteiro ficou do primeiro para o segundo volume. A primeira história é bem pé no chão e sem nenhuma reviravolta tão impressionante, já na segunda vemos o oposto disso. Temos um roteiro com temas delicados e com diversos níveis de entendimento. A narrativa já era muito boa e a arte acompanhava no mesmo nível de qualidade. A concepção dos personagens, movimentação, os detalhes são realmente impressionantes e dão uma sensação de poder ver uma animação no estilo do Studio Ghibli (A Viajem de Chihiro, Meu Amigo Totoro) em quadrinhos, vou deixar um exemplo perfeito abaixo.

Censura é uma questão que eu sou completamente contra, mas se tratando em assuntos como nazismo e sua acensão eu sou a favor. O filósofo Karl Popper se refere a esse fato como O Paradoxo da Tolerância, a tolerância ilimitada pode levar ao desaparecimento da tolerância. Blacksad é eficiente e cirúrgico em mostrar o quão ruim pode ser a disseminação desse movimento e tudo que vem agregado a ele. Para finalizar deixo a melhor fala do personagem.

Blacksad Arctic Nation – Volume 2

Autores: Juan Díaz Canales e Juanjo Guarnido

Páginas: 56

Editora: SESI-SP (2017)

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