2018 está sendo um ano único no que diz respeito à luta e a representatividade. Esse ano tivemos Pantera Negra, que é o décimo oitavo filme da Marvel. E temos agora a décima oitava Graphic MSP, Jeremias – Pele, protagonizada por um personagem até então desconhecido pelo grande público. Ambos produtos necessários para inspiração e identificação de muitas pessoas que nunca tiveram um ícone de representatividade.

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O selo Graphic MSP já trouxe muitas histórias boas e se provou um projeto válido para o mercado nacional de quadrinhos. Todo ano temos algumas delas e sempre que posso, compro, leio e dificilmente desgosto de alguma. Em 2016 foi anunciado um teaser do novo título chamado Jeremias. A equipe criativa tinha Rafael Calça nos roteiros e Jefferson Costa na arte. Por ter lido La Dansarina, lançado pela Editora Marsupial, eu já conhecia o trabalho do Jefferson e logo coloquei esse quadrinho na lista de futuras compras, mas uma pergunta não saia da minha cabeça: Quem é Jeremias?

Rafael Calça (roteirista), Mauricio de Sousa e Jefferson Costa (desenhista).

Como a maioria dos leitores brasileiros, eu comecei minha jornada quadrinística com super-heróis e Turma da Mônica. Lia bastante e nunca tive a oportunidade de ler uma história do personagem. Ele quase nunca aparecia e dificilmente receberia um título regular com seu nome na capa, como acontecia com outros personagens da turma. Então, Jeremias – Pele foi a primeira revista própria do Jeremias e o meu primeiro contato com o personagem. Acredito que a maioria das pessoas se encontram na mesma situação.

O personagem foi criado em 1960 e é o primeiro personagem negro do Mauricio de Sousa. Ele faz parte da Turma do Bermudão, grupo que teve seu início no final dos anos 90 e tinha como integrantes Franjinha, Titi e Manezinho. Sua aparência me parecia muito caricata e me remete a uma caracterização datada e talvez preconceituosa, acredito que o intuito do Mauricio não fosse esse e o resultado final foi um produto de sua época. Felizmente o personagem passou por algumas reformulações em seu visual até chegar a uma forma aceitável e menos datada do que a primeira. Recentemente o personagem também recebeu sua versão em Turma da Mônica Jovem, revista essa que reformulou a maioria dos personagens para uma roupagem que remete ao estilo do mangá oriental.

O protagonismo negro nunca foi tão presente nos personagens do Mauricio, junto com o Jeremias temos somente o Pelézinho, Ronaldinho e o Neymar Jr. Curiosamente em 2017 tivemos o anúncio de uma nova personagem negra, o nome dela é Milena e acredito que ela seja a primeira personagem feminina negra a fazer parte das revistas de linha. De acordo com o Mauricio ela vai vir junto com sua família chamada Sustenido que será ambientada em um local com predominância de música e futebol. Por mais que tenhamos meia-dúzia de personagens negros, a quantidade continua pequena e torço para que esse número mude com o passar dos anos. Na introdução do quadrinho, Mauricio deixa claro que Jeremias – Pele mexeu com as estruturas da empresa e daqui pra frente veremos uma realidade diferente.

“Pele me ajudará inclusive a corrigir uma injustiça histórica: apesar de ser um de meus primeiros personagens, o Jeremias nunca havia protagonizado uma revista sequer. E o faz, agora, em grande estilo. Tanto que está história forte, verdadeira, emocionante e profundamente necessária chacoalhou o nosso estúdio e, daqui pra frente, estaremos muito mais atentos à realidade que nos cerca. E os leitores verão essas mudanças também nos nosso gibis mensais.”

Para você ter uma orquestra perfeita você precisa de um bom maestro para regê-la. Sidney Gusman foi o maestro que escolheu dois artistas talentosos e com bagagem para contar essa história. Ambos autores são negros e muito do que vemos no quadrinho é tirado das suas próprias experiências, dando profundidade e humanidade que te convida para reflexão pós-leitura.

A história conta do dia-a-dia do personagem, todos seus desejos, ambições e fantasias de uma criança comum. Por ser uma criança negra, infelizmente ele tem que lidar com o racismo em sua escola. O quadrinho mostra como é esse primeiro contato de uma criança com o racismo e como isso afeta sua vida e de seus familiares. Essa é a sinopse básica da história e ela não foge muito disso, Rafael Calça apostou em um roteiro simples, mas o diferencial é o quão humano e chocante essa história pode ser. Nas primeiras páginas você tem um ar mais otimista em um ambiente confortável e ideal para o personagem. A família é uma parte muito importante dentro da história, eles já passaram pelas mesmas situações e tem o dever de explicar isso para o filho, por mais frustante que seja eles seguem lutando todos os dias. Se você reparar bem, ambos mostram que aceitaram suas origens e não tentam esconder isso. A mãe tem o cabelo armado e lindo, antes ela tentava esconder alisando o cabelo. O pai tem seu cabelo grande e crespo e ele não precisa raspar o cabelo como a maioria faz. Eles transmitem um ar emponderado que passa para o leitor e consequentemente para o filho. Aos poucos o roteiro vai criando situações para quebrar esse clima mais otimista e mostrar como o mundo é escroto fora de sua casa.

O roteiro apesar de simples dá margem para camadas de entendimento, lembrando muito os roteiros do Carl Barks. Ele dialoga muito bem com crianças porém dialoga com os pais da mesma maneira. O cenário e as ações que estão acontecendo em segundo plano contam uma história a parte, assim como acontece frequentemente na Saga do Tio Patinhas de Don Rosa. Coisas sutis como o herói preferido do personagem ser branco por falta de representatividade negra nos quadrinhos ou coisas mais literais como a estátua de Zumbi dos Palmares para representar um dos melhores diálogos dentro da história.

Dentro desta lógica de contar uma história no plano de fundo, temos na própria escola um número reduzido de alunos negros em comparação aos alunos brancos. Isso é reflexo da realidade do nosso país onde o acesso à educação pela população negra é bem pequena e representa apenas 2% das universidades brasileiras — públicas ou privadas. Algumas revistas do selo conversam entre si e aqui não foi diferente, temos a aparição da Turma da Mônica que é bem interessante e a aparição do astronauta que é essencial para o desenrolar da trama. Esse foi de longe o melhor uso das referências em todas Graphic MSP.

Várias situações são mostradas no decorrer do quadrinho e tem uma que me chamou bastante a atenção. Quando o pai do Jeremias é abordado pela polícia, ao fundo tem uma pessoa que documenta o ocorrido através da câmera de seu celular. Por conta disso, muitos abusos policiais são desmascarados por conta de videos de pessoas aleatórias que registram e divulgam o ocorrido. O caso que ganhou maior notoriedade foi em Oakland, quando Oscar Grant III foi abordado e baleado por polícias sem ter feito nada. Tudo foi gravado e os policiais responderam pelo crime. Esse evento foi tão importante que foi adaptado para os cinemas com o filme Fruitvale Station, dirigido por Ryan Coogler e atuado pelo Michael B. Jordan no papel principal. Curiosamente ambos repetiram a parceria em outros filmes, incluindo Pantera Negra.

O traço do Jefferson Costa é lindo e não tem como discordar. Mas o que se destaca aqui é a sua narrativa, ela está excelente e entrega algo que é extremamente bem conduzido que se assemelha a um filme dirigido por algum diretor muito competente. Todo ritmo do quadrinho flui de uma maneira orgânica que facilita a compreensão das pessoas que não estão habituadas a ler quadrinhos. Isso é muito importante devido ao alcance que a Mauricio de Sousa Produções tem no mercado e adicionado a isso temos um tema que precisa ser acessível para todo tipo de leitor. Tem algumas passagens que a diagramação é excelente e bem imaginativa, mas o enquadramento predominante brinca bastante com a ideia de repetição de quadros para dar um movimento e uma importância maior para o acontecimento no último quadro da página. Outro recurso gráfico interessante é o uso da proporção que está diretamente ligado ao sentimento do personagem na página, não vou contar em qual momento isso acontece para não estragar a surpresa, mas quando acontece é algo visualmente impressionante e tocante.

O uso de sombras ficou brilhante, o maior significado dela foi mostrar algo que é palpável no emocional e que não é transmitido no campo físico. Um exemplo do uso desse tipo de sombra é quando o Jeremias consegue ver que uma pessoa negra pode ser astronauta e ele se sente representado ao ver o acontecimento na televisão.

Jeremias – Pele é um acontecimento para os quadrinhos nacionais e se tirasse qualquer um dos fatores dessa equação, nada disso seria possível. É complicado eu falar que essa é uma história otimista e feliz, tratar desse assunto é muito complicado e nunca terá algo bom, somente quando houver alguma mudança. Afirmo que esse quadrinho vai ser o pontapé inicial para uma porção de mudanças no cenário nacional de quadrinhos e na sociedade em geral. Essa história precisava ser contada e foi da melhor maneira possível, infelizmente ela é um retrato histórico da nossa atualidade e é impossível não chorar no decorrer da história. Parabéns à todos os evolvidos e saibam que vocês fizeram parte de um marco e é isso que o quadrinho representa. Eu não tenho como terminar o texto sem falar sobre o excelente texto de quarta capa escrito pelo Emicida, um dos motivos de eu ter me emocionado tanto e que me motivou a comprar o quadrinho. Vou deixar aqui embaixo e faço das palavras dele as minhas, Sem mais atrasos.

“A grande atriz Elisa Lucinda um dia me disse: “Nós precisamos parar de chegar atrasados na vida das pessoas”. Achei estranho em um primeiro momento. Afinal, cheguei quando consegui chegar. Mas o que ela queria dizer era que precisávamos ser escudos e não bandeides.

É no atraso e na ausência de nossa voz que os piores pesadelos se solidificam. Um monstro que se alimenta de ignorância pode ficar gigante. Entre esse monstro e quem amamos, é o importante lugar de nossas boas palavras e atitudes.

Há alguns anos, fui comprar caixas organizadoras com minha filha, para guardar os brinquedos dela. Havia uma infinidade de opções de cores, princesas loiras e uma única, quase escondida, com uma princesa escura como nós. Escolhi aquela e levei até a pequena, pois havíamos combinado de ser uma caixa com um princesa.

Ela pediu para ser outra. Argumentei que aquela princesa era linda, ela insistiu e eu insisti novamente na princesa negra. Ela chorou dizendo que queria uma caixa de princesa e não “aquela”.

Eu havia chegado atrasado.

A ausência de referências positivas nos rouba o direito de imaginar, estabelece um teto para nossos sonhos. Minhas lágrimas correram pelo rosto ao ler Jeremias – Pele.

Eu a vivi inteira tantas vezes…

A palavra que tenho para todos os envolvidos é obrigado.

Obrigado a um dos meus grandes ídolos, Mauricio de Sousa, por possibilitar a reinvenção de seus personagens por Rafael Calça e Jefferson Costa, trilhando um caminho tão sensível e crucial para devolver a nossos sonhos o direito de serem livres.

Com muita felicidade, Jeremias está chegando na hora certa.

Sem mais atrasos.”

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