Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Google+ Compartilhar no Tumblr Trazendo A Mão Esquerda da Escuridão para sua coleção de ficções científicas, a Editora Aleph presenteia os leitores brasileiros com mais um clássico do gênero. Deixando de lado os efeitos de que se trata de uma obra muito bem premiada e reconhecida dentro do campo que compreende o nicho da literatura de ficção científica, A Mão Esquerda da Escuridão é um livro que merece ser lido. Ursula K. Le Guin é extremamente habilidosa em doar. O que estou tentando expressar não é algo muito simples e me carece os próprios recursos que sobram na escritora. Por “doar”, busco descrever como minha experiência de leitura foi alentada por uma técnica que está lá nas linhas que li, mesmo que eu não consiga muito bem compreendê-la. O livro abre com uma introdução, na qual Ursula realiza uma interessante metodologia. Ela apresenta para o leitor um conjunto de reflexões sobre o método de escrita da ficção cientifica bastante atual e relevante. Articulando a problemática entre verdade histórica e verdade factual, através da articulação entre fato e ficção, a autora desdobra-se para desdobrar a problemática que condensa-se na seguinte linha lógico-argumentativa: [quote_box_left]”O artista lida com o que não pode ser dito em palavras. O artista cujo meio é a ficção faz isso em palavras. O romancista diz em palavras o que não pode ser dito em palavras.”.[/quote_box_left] É de se reconhecer que abrir um livro de ficção de determinada maneira, trazendo o leitor para a “crise do campo”, isto é, para a parte viva do labor da escrita de ficção é uma generosidade sem tamanho. O enredo é bastante árido: Genly Ai é um diplomata, ou então um batedor de uma organização chamada Federação Galáctica Ekumen. Seu trabalho consiste em atuar como emissário da Federação em planetas distantes que ainda não fazem parte da organização. Na narrativa o acompanhamos durante uma missão à Gethen (Ou Inverno), um planeta que vive na inóspita situação de congelamento. O planeta vive uma disputa política e moral entre os continentes de Karhide e Orgoreyn, delineando um problema para Genly, já que sua missão somente poderá ser cumprida se Gethen filiar-se a Ekumen como um todo – incluindo os dois continentes em disputa. Em Karhide o tipo de governo pode ser definido como uma monarquia, enquanto Orgoreyn organiza-se em torno de algo como uma república. A questão é que Genly é literalmente um alienígena em Gethen. Os habitantes do planeta até então desconheciam a própria noção de viagem interestelar, fazendo com que diversas dúvidas e incredulidades mergulhem o emissário em um jogo de “shifgrethor”, algo como uma disputa de prestígio entre Karhide e Orgoreyn. Caso Genly seja realmente o que diz ser, o continente que o apoiá-lo primeiro será reconhecido como o primeiro que deu um grande passo político para o desenvolvimento de todo o planeta. Entretanto, se o suposto alienígena estiver mentindo, o continente que apoiá-lo será ridicularizado por ter acreditado em fantasias sobre o espaço sideral, consequentemente perdendo todo o seu “prestígio” perante os habitantes dos continentes rivais e inclusive seus próprios. Se a disputa político-moral que aninha a trama de A Mão Esquerda da Escuridão não for o suficiente para denominá-la de árida, a premissa narrativa conta com a problemática sobre a questão de gênero que embalça este clássico no tema que há décadas permanece relevante e que atualmente encontra-se pululante, principalmente no Brasil. Os habitantes de Gethen são andrógenos durante a maior parte de suas vidas. Seus corpos não são demarcados pelas características sexuais presente em humanos como os terráqueos, ou seja, entre os gethenianos não há separação biológica entre os sexos masculino e feminino. Entretanto, uma vez por mês (nos meses do calendário getheniano) os habitantes entram no “kemmer”, um período fértil a partir do qual eles se tornam suscetíveis à impulsos sexuais. Quando um getheniano entra no período fértil e encontra outro parceiro que também está no período fértil, ambos conseguem copular e procriar. Porém, se por algum motivo o sujeito permanecer no kemmer sem encontrar outro parceiro no período fértil, seus órgãos não se desenvolvem e o kemmer passa. Durante o kemmer, o getheniano pode desenvolver dois tipos de genitálias diferentes e opostas, dependendo um pouco de como seu parceiro também manifesta seu próprio kemmer. Entretanto estes sexos opostos não configuram o que poderíamos entender como macho ou fêmea. Ursula dedica um capítulo inteiro para a questão do sexo e do gênero, em Gethen, dentro de seu romance. Isto se dá devido à importância desta questão para o desenvolvimento da história. Genly não sendo um getheniano possuí sexo e gênero definidos, é um homem. Isso pode ocorrer com os habitantes de Gethen, mas somente através de manipulações hormonais que são consideradas extremamente desprezíveis pela maioria dos habitantes. Aqueles que permanecem em um kemmer constantemente são considerados “pervertidos”, no sentido em que pervertem o ciclo natural do kemmer. Tais pessoas são párias. Autora: Ursula K. Le Guin Além de ter sexo e gênero definido, Genly é negro, biótipo inexistente no planeta. Estas características são determinantes no desenvolver da história. A Mão Esquerda da Escuridão é um livro que acima de tudo trata da problemática das fronteiras, Genly é um estrangeiro tentando se adaptar aos costumes e práticas de seus anfitriões com o intuito de “anexá-los” aos propósitos de sua organização. No enredo também seguimos os passos de Estravem, o ex-primeiro ministro de Karhide que após ser exilado, também vive os atravessamentos daqueles que vivem entre fronteiras. Não sou nenhum novato no universo das ficções científicas, mas sei que muitas vezes, boa parte da imersão nestas narrativas é demorada e demanda um investimento que acaba afastando pessoas que procuram uma leitura menos trabalhosa. A Mão Esquerda da Escuridão é um livro de ficção cientifica que você esbarra em diversos nomes, lugares, hábitos e línguas que você nunca ouvir falar, assim como outras obras do gênero. Entretanto, Ursula K. Le Guin sabe exatamente como fazê-lo sentir-se em casa. Através de pequenas técnicas e opções narrativas, ela lhe passa com primor aquilo em que as palavras fracassam. Há uma incrível transmissão que atravessa esse livro. Eu chamaria de rastro, pois é através dos rastros que identificamos a verdade estruturada em uma linha de ficção. A Mão Esquerda da Escuridão Autora: Ursula K. Le Guin Tradução: Susana Alexandria Editora: Aleph (2014) Páginas: 296 COMPRE AQUI: Amazon