Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Google+ Compartilhar no Tumblr Não sou fã de Umberto Eco como escritor – e vocês já sacaram isso. Como acadêmico, o cara é um erudito de primeira categoria, e merece entrar pro time de gente como Noam Chomsky, Mircea Eliade e o recentemente falecido Eric Hobsbawm. São caras com cérebros titânicos, bibliográficos, criados em eras pré-Internet, capazes de lembrar referências de livros obscuros e relacionar diversos autores em teorias únicas. A questão é que são todos acadêmicos, com pensamentos científicos profundos, que escrevem pensando em referências, outros autores e teorias. Com raras exceções, os eruditos acadêmicos não são romancistas. E provavelmente nem tentem pela dificuldade de desvincular o pensamento acadêmico do artístico. A trajetória de Eco como escritor se assemelha ao andar de um bêbado: acertou em O Nome da Rosa (e em A misteriosa chama da rainha Loana, segundo o amigo Daniel Lopes, do Pipoca e Nanquim), mesmo que a história de detetive bem construída perigou ser soterrada por referências a estética medieval e a teologia, mas pisou feio na bola com O Pêndulo de Foucault, um dos romances mais chatos em que já pus os olhos. O problema é exatamente utilizar as páginas do próprio livro unicamente como desfile de conhecimento, e esquecer que existe uma trama que precisa ser construída e desenvolvida. Os personagens dos livros de Eco, em sua maioria são vazios, sem motivações e cospem tagarelices inócuas. O Cemitério de Praga fica no meio do caminho entre a excelência equilibrada da ficção de estreia de Eco e a megalomania pedante de seu segundo romance. Coloquei os olhos nele ao visitar uma livraria e comprei só de ler a sinopse, que indicava uma mistura de espionagem e ocultismo: dois dos meus temas favoritos. Parecia o tipo de livro à prova de erros, mas a realidade se mostrou um pouco diferente. Tinha o estilo de Eco lá para atravancar tudo sem dó da paciência do leitor. A ideia de Eco foi criar um romance histórico, e contar a obscura trama por trás da criação dos execráveis Protocolos dos Sábios de Sião, uma conhecida falsificação geralmente atribuída ao serviço secreto da Rússia czarista, a Okhrana, que foi fruto e serviu como motivação para o antissemitismo generalizado da época e de parte do século XX. Para isso ele conta com um personagem igualmente enojante: Simone Simonini, um falsário que se torna agente secreto repentinamente a certa altura do livro, e odeia tudo e a todos – principalmente mulheres. O livro é contato através dos diários de Simonini, que se vê numa crise de personalidade ao encontrar anotações de um certo abade Dalla Piccola em seu diário, e que parece querer dialogar com ele. Ele passa então a utilizar os métodos do Dr Föide para descobrir a possível gênese de seu problema de dupla personalidade: e propõe uma regressão linear de todos os atos importantes do seu passado. O que era para ser um mistério no próprio núcleo do livro vira uma charada mal construída que vai ser desvendada por qualquer um que passar da página 20. Em seus aspectos históricos, o livro consegue ser interessante sem grandes esforços. É possível ver uma série de personagens que realmente existiram e, segundo Eco, realmente fizeram as coisas descritas no livro. O único personagem inteiramente fictício é o próprio Simonini, figura central em uma trama conspiratória que envolve judeus, maçons, carbonários, jesuítas, revolucionários italianos e até seitas secretas heréticas. Eco consegue equilibrar esse monte de coisas sem destruir totalmente o conjunto, mas não vê qualquer problema em se estender demasiadamente em futilidades que tornam o livro enfadonho, e muito mais histórico do que romance. Além dos momentos verdadeiramente interessantes – como o plano para explodir uma figura histórica, em meio às Revoluções de 1848 – existem as chatices contumazes, colocadas lá para testar nossa resistência. Eco é um cara cheio de ideias boas, mas não consegue costura-las em uma trama coesa e empolgante. O resultado é um ritmo arrastado e excessivamente quebrado e linear. As descrições tediosas vêm junto, e agora Eco mira na gastronomia, já que seu personagem principal odeia sexo, mas adora comer. Quando Simonini vai jantar, espere um pequeno livro de receitas de comidas italianas da época, com descrições ultra-detalhadas de cada ingrediente e do modo de preparo. É esse o tipo de desafio proposto pela literatura de Eco, bem dosada (e até genial) em algumas passagens, porém extremamente maçante em outras. A jornada irregular não coloca tudo a perder em Cemitério de Praga e cabe ao leitor ter perspicácia para localizar as melhores pérolas do livro. Até o final é abrupto, mal resolvido, contado às pressas porque os fatos que Eco decidiu cobrir já foram abordados. Alguns tomam isso como uma mostra de intelectualidade, mas Eu chamo de falta de habilidade. Quer um autor enciclopédico genuíno? Leia os livros de Thomas Pynchon – especialmente Mason & Dixon, que também utiliza os artifícios do romance histórico para ser construído. Vale o esforço? Se você é do tipo que curte História – especialmente espionagem, missas negras e conspirações – e não vê problemas em enfrentar longas e tediosas descrições, cai dentro que Cemitério de Praga decididamente será prazeroso. Mas, se compreensivamente não tem saco para o pedantismo de Umberto Eco, passe longe que não vai ser esse livro que vai mudar sua percepção. Livro: O Cemitério de Praga (2010) Editora: Record Autor: Umberto Eco Páginas: 480 Nota: 7 Compre agora e tire as suas conclusões sobre o livro do Umberto Eco: Submarino | Saraiva