Em 9 de agosto de 1969, cinco pessoas, entre elas a atriz Sharon Tate, esposa do cineasta Roman Polanski, foram brutalmente assassinadas a facadas em sua casa, em Los Angeles. O crime chocou os EUA devido a alguns detalhes sinistros: a atriz estava grávida, o número de facadas desferidos foi insano, os assassinos deixaram mensagens escritas com o sangue das vítimas.

Em 12 de novembro de 1934 nasceu Charles Milles Manson, neto de Nancy, uma avó extremamente religiosa e filho de Kathleen, uma jovem rebelde que começa a enfrentar os primeiros problemas com os homens de sua vida e com as autoridades. O estupendo trabalho do jornalista Jeff Guinn, na biografia “Manson”, publicada no Brasil pela editora DarkSide Books, visa nos dar uma panorama absolutamente detalhado de tudo que separa estas duas datas. Como diabos aquele garotinho que era chamado de “pequeno Charlie” se tornou um símbolo de terror para os americanos em pouco mais de três décadas?

Guinn reuniu um número de enorme de informações a respeito de Manson (são umas 50 páginas só de notas) e elaborou uma narrativa de não-ficção bastante linear que funciona como uma espécie de romance de formação. Então acompanhamos todos os detalhes da infância e adolescência erráticas de um sujeito que passou mais da metade da sua vida detido em algum centro reformatório ou em prisões. Vindo de uma família completamente desestruturada (sua mãe foi presa diversas vezes, seu pai sempre foi uma figura praticamente inexistente), Manson nunca soube ao certo o que era ser livre, tanto que tinha até medo de ir para as ruas, pois acreditava eu não saberia viver em sociedade. Ele estuprou e foi estuprado já nas primeiras décadas de vida. O livro faz uma reconstrução histórica excelente, pois ela não funciona como uma interrupção da narrativa para forçar um painel político/social, mas sim como um elemento fundamental para compreendermos aquilo que está sendo contado. De certa forma, Manson explica os EUA, assim como os EUA explicam Manson, pois um é subproduto do outro.

Em meados dos anos 60, Manson ainda estava na cadeia quando fez um curso sobre o livro de autoajuda “Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas”, ele também tinha certo conhecimento da bíblia, graças a sua avó, e também passou a ter contato com as ideias das pessoas envolvidas com a Cientologia (da qual o Tom Cruise é garoto propaganda), isso tudo lhe serviria de ferramenta no futuro. O sentimento geral daquela época era que o país estava indo pro vinagre, a guerra do Vietnã comia solta, um presidente havia sido assassinado, as revoltas estudantis aconteciam de forma cada vez mais frequente, bem como a repressão policial, além disso as lutas pelos direitos civis tomavam proporções cada vez maiores. Manson percebeu neste caos uma oportunidade de explorar um nicho bastante presente entre os hippies que se arrastavam pra lá e pra cá, com o discurso de sexo livro e amor: ele poderia se tornar um guru. Ele já tinha experiência como cafetão (motivo que o levara a cadeia na última vez), então sabia aliar jovens garotas, bastava criar um discurso envolvente, relacionando a bíblia, o fim do mundo e as músicas dos Beatles. Não demorou para que garotas completamente perdidas na vida começassem a seguir aquele cara que se dizia Jesus Cristo e curtia rock.

O livro demonstra de maneira bastante perturbadora todo o lado negro da força daquele período paz e amor dos hippies. Além da questão da fome, das drogas e da falta de higiene, os estupros eram bastante frequentes e serviam como um forma de controle das jovens que haviam largado as suas casas em busca de liberdade. É justamente essa galera perdida que cai nas graças de Manson, com seu bom humor, sua empatia e seu papo de “vida e morte não existem”. O Grande objetivo de Charles, aquilo que fez com que tudo acontecesse, era bem simples: ele queria se tornar mais famoso do que os Beatles, ele queria ser admirado e adorado pelo maior número possível de pessoas. O livro de Jeff Guinn retrata esta ambição com riqueza de detalhes, pois é a frustração com a carreira de músico (vários produtores ouviram as músicas de Manson, e todos a consideraram muito medíocre), uma vez que ele tinha certeza de que era um compositor genial, que serve de estopim para o início dos assassinatos. Manson era uma espécie de parasita, que se aproximava e desenvolvia relações de acordo com aquilo que pudesse ganhar com elas. O nome mais notável a cair nesta armadilha foi Dennis Wilson, baterista da banda Beach Boys cuja mansão foi invadida pelos seguidores de Manson durante um longo período. Charles só se aproximou, pois queria que Dennis lhe conseguisse um contrato com alguma gravadora que reconhecesse a sua genialidade. Ao ser recusado por um grande produtor, Manson começa a perder o controle emocional e aí traça um plano perturbador: inventa uma espécie de apocalipse chamado Helter Skalter, alegando que os Beatles, em seu Álbum Branco, estavam lhe mandando uma mensagem através da música, dizendo que haveria uma grande guerra entre negros e brancos e que ele seria o grande salvador, que levaria os brancos sobreviventes para uma terra prometida no meio do deserto. Pra dar mais verossimilhança a sua história, resolve induzir os seus seguidores a cometerem assassinatos para gerar pânico e caos na sociedade.

O famoso assassinato de 9 de agosto foi o segundo cometido pelo grupo e na verdade tratava-se de uma tentativa de desviar a atenção da polícia, para que não investigassem membros da Família Manson, como eles passaram a ser chamados, que estavam presos. É curioso como Jeff Guinn relata que ao perceber que poderia ter a sua liderança comprometida por questionamentos, Manson, cada vez mais violento, fazia com que os membros da família trabalhassem até se sentirem exaustos a ponto de não conseguirem pensar. Detalhe: Eles viviam em um rancho no deserto que antigamente fora um estúdio de cinema. Tudo ali era falso, até mesmo o telhado sobre suas cabeças. Era praticamente uma metáfora pronta.

Não sei por que exatamente, mas sempre tive em mente que a Família Manson tinham alguma relação com satanismo ou algum ritual de magia negra, principalmente pelo lance de escrever com sangue nas paredes, mas o livro deixa claro que tudo aquilo era apenas encenação criada por Charles. No fundo, não havia nada de místico ali, o que torna a situação ainda mais assustadora, pois não é possível jogar a culpa em algo metafísico e assim perdemos mais uma possibilidade de explicar o inexplicável. Era “apenas” a mente humana sendo usado para aquilo que fazemos de melhor: praticar o mal.

O livro detalha como os crimes foram cometidos (este trecho é muito, muito sinistro) e como Manson controlou todas as ações de seus seguidores insanos, os quais são retratados individualmente em suas diversas singularidades (que são bem perturbadoras, diga-se). Toda a reação e exploração midiática também ganham seu espaço ao longo das 520 páginas, bem como o passo a passo do julgamento e das condenações. Não sou muito de concordar com frases em capas de livro, mas Manson é realmente uma biografia fascinante. Esse livro é muito mais do que a história de um assassino, é um livro sobre a implosão de diversos valores e com eles as suas verdades absolutas, é um livro sobre uma sociedade que olha no espelho e não se reconhece, que tenta recolher algum tipo de esperança em meios aos escombros do prédio que ela mesmo demoliu, mas não mais há nada ali além de destruição.

[quote_box_center]Obs: Este livro nos foi enviado pela própria Darkside Books, devido a nossa parceria de longa data com a mesma. O que não afeta o nosso julgamento sobre a obra em si.[/quote_box_center]

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Manson 

Autor: Jeff Guinn

Páginas: 520

Editora: DarkSide Books (2016)

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