Quando resenhei Os Invisíveis Vol.1 – Revolução de Grant Morrison, questionei sobre qual seria a especificidade de um dispositivo que poderíamos nomear de “gibi”. O post realizado aqui na MOB recebeu um comentário que retomo neste texto:

[quote_box_center]“Um texto bem construído, mas cai em um erro conceitual: gibi é uma plataforma de comunicação tão ampla quando uma série ou um filme ou uma música. O teor da história contada dentro dele não é o que determina se é um gibi ou não, mas sim a plataforma onde é contado.
Se é uma história em quadrinhos, é gibi, pouco importando se são super-heróis, terror, fantasia ou o que for.
Tenho mais alguns comentários sobre a sua interpretação da história em si, mas farei com calma mais tarde.” (Alessio Esteves)[/quote_box_center]

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Inicialmente gostaria de destacar que durante a leitura de Os Invisíveis Vol.2 – Abocalipse, estive esperando o restante do comentário de Alessio, mas que pelo visto não virá. Particularmente gosto da resposta apresentada por ele: “Se é uma história em quadrinhos, é gibi…” e “ponto”. Acho que essa afirmação resoluta e afirmativa funciona, portanto, é a que eu costumo utilizar no me dia-a-dia. Quando amigos, colegas e até inimigos fazem o esforço para chamá-los de “arte gráfica”, “histórias em quadrinho” ou “nona arte”, afirmando que o termo “gibis” é pejorativo, faço questão de desbancá-los neste absurdo.

[quote_box_center]Leia também: Os Invisíveis: contra a linguagem e o conformismo realista[/quote_box_center]

A questão é que na minha concepção, o exercício crítico de um resenha em quadrinhos, por exemplo, mesmo que não intencionalmente, precisa tensionar o habitual das certezas cotidiana com trabalho do comentário, seja pela via da análise técnica minuciosa (a qual estou longe de ser capaz) ou pela via da uma exploração da experiência estética provocada. No texto passado, nadei por esta segunda via, como de praxe o que faz com que meus questionamentos sobre “ser ou não ser um gibi” apenas um exercício reflexivo sobre uma experiência estética e não como afirmou nosso colega “um erro conceitual”.

No volume 2, seguimos a história no exato momento em que ela havia finalizado no volume anterior. Porém, trata-se apenas da história, já que na sequência entraremos em uma linha narrativa que rompendo com a linearidade lógica e cronológica dos acontecimentos. Ao invés de diversas referências que pululavam aos arredores dos eventos principais no volume 1, desta vez observamos um emaranhamento de linhas temporais que ficam muito bem amarradas no pequeno arco She-man (Venus as a boy, Mistérios da guilhotina e Abocalipse).

Nele acompanhamos ao mesmo tempo a iniciação de Lord Fanny em sua tradição familiar de bruxaria, sua iniciação como Invisível e o evento que possivelmente desemboque em sua morte (isto fica em aberto neste volume). Vale destacar que a história foi publicada originalmente em 1995, tendo como protagonista um transgênero. Morrison trabalha a entrada desta questão de maneira habilidosa, colocando a problemática em termos de fantasia. No caso, Lord Fanny precisava ter nascido mulher para dar sequência ao clã de bruxas de sua família com ascendência mexicana. Como nasceu um menino sua avó decidi por criá-lo como menina, apostando que mesmo os deuses podem ser enganados quanto à “identidade” de gênero.

Mesmo sendo escrito em 1995, mesmo sendo uma raridade transgêneros em histórias em quadrinho e até mesmo como protagonistas de um arco, em termos de roteiro o que devemos destacara aqui é que esta abordagem não parece nada forçada. Pelo contrário, a problemática da transexualidade imposta pela avó de Hilda/Lord Fanny enseja a narrativa geral com tanta clareza que me faz pensar em como seria possível contar essa história sem esta personagem. Não busco explorar nesta resenha a importante noção de invisibilidade social da violência contra as minorias que ocorrem diariamente com travestis. Aqui darei destaque para a relação estética entre a história apresentada por Morrison neste volume, com a implicação narrativa mais ampla presente na sequência de eventos apresentados entre o volume 1 e 2 de Os invisíveis.

Aqui faço uma analogia: certa vez, Stan Lee afirmou que Kitty Pryde era a personagem do grupo X-MEN mais emblemática, devido ao seu poder de intangibilidade. Explicou que ela ter o poder de tornar-se intocável, invulnerável e impenetrável talvez fosse o melhor exemplo do dura experiência que a raça mutante no universo Marvel vivia. Para além de esqueletos de adamantium e pele recoberta de aço, o X-MEN eram uma equipe intangível. Lord Fanny está para os Invisíveis, assim como Lince Negra está para os X-MEN. A própria ideia por detrás dos Invisíveis é a existência de pessoas vivendo uma guerra invisível bem à frente de todo mundo. Algo que vimos posteriormente em MIB e Matrix, por exemplo. Mas há uma diferença importante neste ponto. Aqui os Invisíveis não são pessoas que deixam de existir no mundo “real” para travar suas batalhas neste mundo invisível.

Lord Fanny não escolheu ser transgênero, suas opções eram: ou transformar-se em mulher ou morrer. Algo como as opções oferecidas à Danny no primeiro volume da série. Este ponto distancia Morrison de sua possível intenção de falar em nome daqueles que “escolheram” a mudança de sexo. O roteirista também poderia fazer uma crítica ao representá-la como prostituta, bruxa e viciada. Mas talvez o ponto seja exatamente este: indicar o quanto as escolhas, pelo menos nos universo de invisíveis, são pouco “escolhidas”. Morrison parece investir em um certo tipo de sobredeterminação místico e inescapável que assombra estes personagens.

As histórias que preenchem este segundo volume Estação Fantasma, Nobres Monstros e Bom em Queda corroboram para este argumento. Os personagens Guedhe, Sutton e Bobby são figuras completamente determinadas pela espiritualidade, pelos laços sociais e pelas relações familiares. Lord Fanny fecha esse volume amarrando todas estas determinações em uma só, levando ao paradoxo sem conciliação que é o peso de uma determinação em uma existência sem ancoragens tempo-espaciais.

Os Invisíveis Vol.2: Abocalipse é um gibi que dá sequência a história, mantendo com honestidade a qualidade do roteiro e mantendo a arte “ok” que já encontrávamos no vol. 1. Saio da leitura sem muita expectativa para os próximos volumes, a não o Cliff-Hanger presente ao final She-man. Neste ponto de minha leitura da série, considero que posso afirmar que Os Invisíveis de Grant Morrison não é uma obra prima do autor, mas com certeza vale a leitura e é uma boa distração.

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Os_Invisiveis_02Os Invisíveis Vol.2: Abocalipse (Julho de 2014)

Originalmente publicado: The Invisibles 9 – 16, Vol. 2 (1995)

Autores: Roteiro de Grant Morrison e desenhado por Jill Thompson, Dennis Crammer, Chris Weston, John Ridgway, Steve Parkouse, Kim DeMulder e Paul Johnson.

Editora: Panini/ DC Comics (Vertigo)

Número de páginas: 208

Formato: (17 x 26 cm), colorido/lombada quadrada

Preço de capa: R$ 25,90[/quote_box_center]

HQ gentilmente cedida pela nossa loja parceira Comix Book Shop.

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